quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Peter Handke, o indesejado premiado

Ao dar o Prêmio Nobel de Literatura ao escritor austríaco Peter Handke os responsáveis pela premiação deram também um belo chega-pra-lá no politicamente correto. Handke, de 76 anos, ganhou o prêmio de 2019 e o de 2018, que estava pendente por causa de problemas internos na Academia Sueca, ficou com a polonesa Olga Tokarczuk, completamente desconhecida no Brasil e com poucas edições traduzidas mesmo na Europa. Ela tem 57 anos. O jornal El País conta que poucos romances seus foram traduzidos para o espanhol. O escritor austríaco teve mais obras traduzidas para o português, porém, como ocorre sempre no Brasil, quase todos seus livros estão esgotados.

Handke foi bastante traduzido para o espanhol, uma sorte para mim. Nos últimos meses andei baixando muita coisa dele, pelo interesse em seus ensaios. Ele é também um ótimo ensaísta, coisa rara entre escritores, Como este vem sendo o tipo de leitura que mais tenho feito ultimamente, para a minha satisfação vários livros seus de ensaios já foram traduzidos para o espanhol.

Olga Tokarczuck não deu sorte ao ser escolhida exatamente com Peter Handke. A história pessoal do austríaco tem aspectos políticos que já está fazendo a imprensa dar mais atenção à sua premiação. No popular, ele rouba a cena de qualquer um. Handke é uma das maiores surpresas da história do Prêmio Nobel e o espanto se deve ao seu apoio ao sérvio Slobodan Milosevic, ex-presidente da antiga Iugoslávia que morreu na prisão do Tribunal Internacional de Haia, em março de 2006. Milosevic esteve no comando de tropas responsáveis por um dos maiores horrores do final do século passado, a guerra dos Balcãs, na desaparecida Iugoslávia. Ele estava preso, acusado de genocídio.

Handke chegou a visitar o criminoso de guerra na prisão e esteve em seu enterro, que ocorreu em um dia em que caia muita neve, na cidade natal de Misolsevic. O El País conta que seu corpo foi enterrado embaixo de uma árvore, em sua casa natal. Sua mulher e seus filhos não compareceram, pelo risco de serem presos. Ficaram escondidos em Moscou. Handke não faltou e no funeral discursou em homenagem ao morto. Para ele, Haia havia errado e Milosevic era um injustiçado.

Pagou caro pelo apoio destemido. Sofreu isolamento e pressões. Enfrentou protestos e teve seu trabalho seriamente afetado. Uma peça sua teve cancelada a apresentação em Paris. Foi obrigado a recusar o prêmio literário Heinrich Heine, de 50 mil euros, concedido pela cidade de Düsseldorf, por causa da polêmica criada em torno de seu nome. Até agora vivia afastado do mundo literário, morando em uma localidade próxima de Paris, onde seus vizinhos nem sabem qual é sua atividade. Cercado pelos jornalistas no quintal de sua casa, logo que se soube da premiação, ele disse que a Academia Sueca “teve valentia” ao premiá-lo e não há como não concordar sobre a ousadia desse prêmio a um renegado.

Como poucas vezes nos últimos anos, os jurados pautaram-se acertadamente na qualidade literária, sem fazer concessões ao clima de julgamento moral tão em voga na atualidade. Não deram a mínima para o politicamente correto. Pode-se até se indignar com Peter Handke, quanto ao seu relativismo moral na avaliação da indignidade monstruosa ocorrida nos Balcãs, mas é indiscutível sua qualidade como escritor. Até pelo debate muito apropriado aos tempos que vivemos e que certamente será quentíssimo, o Prêmio Nobel se revigora com esta escolha.
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POR José Pires

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