terça-feira, 14 de julho de 2020

Nise Yamaguchi, da cloroquina ao Holocausto

A encrenca em que a médica Nise Yamaguchi se meteu com a comparação fora de propósito feita por ela entre o Holocausto e a atual situação brasileira, com o temor social causado pelo coronavírus, tem uma explicação muito simples. Desde que o país foi atingido pela pandemia, ela vem sendo leviana ao tratar de uma questão que envolve a saúde de toda uma população, com danos muito sérios relacionados até mesmo à economia do país. Para isso, Yamaguchi cria relações sem sentido, usando fatos cuja conexão serve apenas para justificar sua opinião favorável ao uso de hidroxicloroquina.

Levada pelo hábito, ela foi encontrar um sério problema ao usar um comparativo entre a nossa situação atual de pressão criada pelo medo da contaminação e o Holocausto judeu, o que foi tomado como ofensivo aos judeus pela direção do Hospital Albert Einstein, no que eles têm toda a razão. Nise Yamaguchi foi suspensa por este hospital, onde trabalha.

Ao trazer o Holocausto na sua fala “insólita”, como bem definiu em nota o Hospital Albert Einstein, a médica demonstrou não só uma grave dificuldade de interpretação de fatos como também a falta de percepção e responsabilidade quanto ao seu posicionamento pessoal. Parece que ela não presta atenção nem ao que acontece no seu entorno. O governo Bolsonaro, no qual ela tem um cargo de conselheira, já teve problemas com a comunidade judaica por causa de fala igualmente “insólita” de um ministro trapalhão, relacionada também à opressão do nazismo contra os judeus.

Talvez seja exigir demais da inteligência da profissional, mas ela não deveria ter com sua linguagem os cuidados referentes à sua condição de empregada de um hospital israelita?

A polêmica que causou a suspensão da médica veio de uma entrevista em um programa da TV Brasil, emissora do governo, com uma pauta evidentemente criada no Ministério da Saúde. Isso fica claro na conversação inicial entre a entrevistadora e a médica. O programa foi sobre “tratamento eficaz para o coronavírus”, conforme disse a jornalista, trazendo um furo mundial na voz de Nise Yamaguchi: a Covid-19 tem cura com um tratamento precoce feito com hidroxicloroquina.

Sim, a doutora Yamaguchi ainda está falando desse assunto, que, aliás, só existe no Brasil. É grande seu entusiasmo na defesa do uso do medicamento. Ela afirma que o tratamento que defende é usado em “vários países” da Europa. Também dá como referência que Donald Trump tomou o remédio preventivamente, sem apontar em momento algum, nem ela muito menos a apresentadora da TV Brasil, que os Estados Unidos já abandonaram esse tratamento e que a OMS já desistiu até de pesquisas sobre cloroquina.

Sei que as falas da doutora são absurdas demais, excessivamente simplórias como base de uma opinião, mas peguei exatamente da entrevista dada por ela, que tive a paciência de assistir na televisão do governo Bolsonaro.

O programa é um case que serviria como base de estudo do que não deve ser feito pelo jornalismo com uma pauta científica e sanitária e, claro, por uma profissional da medicina. Yamaguchi chega a afirmar que a ivermectina pode ser usada como prevenção ao coronavírus, o que é contrário ao indicado pela ANVISA e de quase todos os especialistas do setor.

Na entrevista, ela não toma sequer cuidado com os riscos da influência que uma opinião profissional pode ter sobre uma população em meio a uma pandemia, levando à automedicação e a busca excessiva de um remédio.

Nise Yamaguchi não abandona seus falsos fundamentos mesmo depois deles terem sido refutados cientificamente ou na prática por profissionais do setor médico, como ocorreu na França. Um de seus heróis é o médico Didier Raoult, o pioneiro defensor do uso da cloroquina, que para ela foi injustiçado na França, porque, ainda segundo suas palavras, “acharam que era um absurdo que remédios tão simples pudessem estar tratando uma doença tão complicada e também porque existia sim o interesse que grandes indústrias tivessem remédios muito mais caros”.

Dá para perceber de onde vem essa teoria da conspiração espalhada por bolsonaristas de que a cloroquina só não é usada porque não daria lucros às grandes corporações da indústria farmacêutica, não é mesmo? A verdade é que se dependesse do francês Raoult e da brasileira Yamaguchi o mundo estaria sofrendo ainda mais tragicamente com esta pandemia.

Se fossemos seguir esses dois, já não teria mais nenhum leito de hospital vago no mundo. O médico francês não acreditava sequer que o coronavírus estava vinculado à “realidade das mortes por doenças infecciosas”. A afirmação é de um livro dele publicado em março deste ano.

E Nise Yamaguchi tem relação direta com o Jair Bolsonaro, um presidente que teria arruinado o sistema sanitário de todo o país se tivesse conseguido implantar suas ideias sobre o coronavírus. Desinformado sobre este e outros tantos assuntos, no mês de março passado ele garantia que as mortes não passariam de 800. Já temos mais que isso por dia. No total, já ultrapassamos 70 mil mortes.
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POR‌ ‌José‌ ‌Pires‌

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