Nesta semana tivemos o aniversário do Ato Institucional nº 5, o famoso AI-5, baixado em 13 de dezembro de 1968, durante o governo do general Artur da Costa e Silva, segundo ditador depois do golpe de 1964, que sucedeu ao marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, líder do movimento militar que derrubou o presidente João Goulart e o primeiro militar a ocupar a presidência. O AI-5 vigorou até dezembro de 1978 e foi determinante na vida brasileira. Na sua origem, o ato institucional tem a marca da intolerância com a independência do Legislativo e a liberdade de expressão. Os pretextos foram um discurso do então deputado Márcio Moreira Alves e uma série de artigos do jornalista e deputado Hermano Alves, publicados no diário Correio da Manhã, já extinto. De saída, 11 parlamentares foram cassados no mesmo mês, entre eles os dois deputados. Uma semana antes do AI-5 o Correio da Manhã tivera sua sede explodida por um atentado terrorista.
Foi uma guinada à direita dentro do próprio regime, servindo como instrumento na luta interna entre os militares. A ditadura de 64 nunca teve a unidade política que se apregoa. Pode-se dizer que havia pelo menos dois setores, um deles mais liberal, que com o tempo conseguiu firmar o pé e concluir a abertura política. O presidente eleito Jair Bolsonaro já pegou este processo em andamento, mas na caserna fazia parte da extrema-direita que queria manter a ditadura, numa posição que historicamente mostrou-se totalmente equivocada. No confronto interno com o setor mais moderado, liderado pelo general Ernesto Geisel, esta extrema-direita militar até hoje exaltada por Bolsonaro usava até a violência contra oposicionistas, armava atentados terroristas e infiltrava provocadores em movimentos políticos para criar clima para o retrocesso político.
O decreto de Costa e Silva marca o triunfo da linha dura do movimento de 64 e lançaria o Brasil em um grau de violência política que envolveu censura à imprensa e às artes, cassações e fechamento do Congresso Nacional, prisões, tortura e assassinatos de oposicionistas, mesmo de pessoas com atividade política totalmente pacífica. Ultimamente anda em uso um discurso tosco de uma direita muito mal informada e de má-fé, que tenta impingir a versão de que a repressão da ditadura atingia somente a oposição política violenta e clandestina, com o objetivo de conter o avanço do comunismo. Isso é mentira e política de desinformação. Prisões, torturas e assassinatos atingiram bastante os setores democráticos da oposição, vitimando até mesmo políticos que se opunham absolutamente à luta armada e atividades violentas de grupos minoritários da esquerda. Um exemplo disso, já na finalização da abertura política, é o assassinato do jornalista Wladimir Herzog, que na época da sua morte apenas atuava profissionalmente numa emissora do estatal, a TV Cultura. A violência contra Herzog foi usada em um conflito interno entre a extrema-direita e o governo Geisel.
O AI-5 baixou a censura até sobre jornais conservadores que apoiaram o golpe contra João Goulart, como em O Estado de S. Paulo, um dos mais respeitados diários de então, com uma linha editorial totalmente anticomunista, que teve apreendida sua edição do dia, que trazia um editorial marcante da história do jornalismo brasileiro, “As instituições em frangalhos”. Foram alvos da censura também o semanário O Pasquim, além de Opinião e Movimento, este último tendo sido censurado desde o primeiro número que foi às bancas, sendo obrigado a apresentar aos censores do regime militar todo o material antes de ser publicado. Movimento viveu até uma situação especial, de ter apreendido seu número zero, feito para circular como propaganda informativa de lançamento do jornal.
Trabalhei em Movimento, de seu lançamento em julho de 1975, até o fechamento em novembro de 1981, já sem a censura, mas abalado financeiramente devido aos altos custos criados pela censura. Para ter um jornal impresso era preciso produzir material para pelo menos três. O Opinião também foi liquidado dessa forma. A entrada do AI-5 rebaixou o nível do jornalismo brasileiro de uma forma pesada. Isso pode ser constatado folheando, por exemplo, edições do Jornal do Brasil e Correio da Manhã, dois diários importantes da época, já extintos. O nível de texto e a qualidade política e cultural dos jornais vai num crescendo até o dia da edição do AI-5, quando essa qualidade é afetada drasticamente. Somem as charges e colunas de opinião, num efeito negativo que pode-se sentir em todo os materiais, da área política até a cultural. Os cadernos semanais de cultura, com textos de altíssimo nível, vão minguando até desaparecerem.
É preciso falar mais do desastre que foi a ditadura militar sobre o comportamento dos brasileiros, afetando negativamente a nossa cultura, com a pressão e o afastamento da vida pública dos melhores talentos e o favorecimento de corjas de cafajestes em todos os setores, em especial na área empresarial e financeira. O AI-5 criou até um paradoxo, lamentável para a qualidade da cultura e da imprensa, que foi a supervalorização da atividade militante e dos trabalhos marcadamente de agitação política, favorecendo demais na arte e na cultura os valores de esquerda. Quebrou-se toda uma linha evolutiva cultural, que do ponto onde estamos não dá mais para saber onde é que chegaria. Com o AI-5 essa linha evolutiva desmanchou-se numa terra arrasada. Parte da dramática condição nacional atual vem desse ato de 50 anos atrás, amenizado depois pela abertura política e finalmente com a instalação da democracia. No entanto, ficaram marcas sobre as quais nunca se chegou a uma compreensão plena. Daí a dificuldade até hoje de nos restabelecemos dos terríveis efeitos negativos.
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POR José Pires