Quando, às portas do segundo turno da eleição de 2022, Marina Silva anunciou o apoio à candidatura de Lula, até deu para compreender seu gesto. Do ponto de vista da sua trajetória política, o adversário do petista era de fato para ser impedido de se reeleger. No entanto, ao aceitar a entrada no governo de Lula, Marina cometeu um erro difícil de entender. Ela tinha experiência de sobra na relação com Lula e o PT e deveria saber muito bem do que o presidente e seu partido são capazes de fazer com quem não aceita submeter-se integralmente aos seus interesses.
Marina já conheceu na pele a maldade do PT, como quando teve a oportunidade da vitória na eleição para presidente de 2014, quando foi candidata no lugar de Eduardo Campos, morto em um acidente aéreo. Até o acidente fatal ela era vice de Campos. Foi uma das campanhas mais sujas do PT, principalmente porque os ataques se deram contra uma ex-aliada, de muita importância na própria construção do partido de Lula.
Vinda do Acre, onde era próxima de Chico Mendes, lendário líder ambiental assassinado em 1988, Marina ajudou a dar ao partido uma marca de preocupação ambiental e ligação com a defesa das matas por gente das próprias terras, em regiões afastadas dos grandes centros. Mas nem por isso foi poupada dos piores ataques contra sua reputação.
Naquela época, disputando com Dilma Rousseff e demonstrando nas ruas e nas pesquisas que poderia ganhar aquela eleição, um tema usado para atacar Marina de forma absolutamente desleal e mentirosa foi a autonomia do Banco Central, proposta defendida pela candidata.
Na campanha acirrada do PT, Marina chegou a ser nivelada ao ex-presidente Fernando Collor. Dilma a acusava de ser a “candidata dos banqueiros”. Sua forma educada de debater e até sua fragilidade física foi ironizada e desmerecida pelos petistas como um fator negativo de personalidade. A propaganda do PT manipulou de forma agressiva o sentido do apoio dado à candidata pela educadora Neca Setúbal, herdeira do grupo Itaú, como se o próprio banco estivesse por detrás da sua candidatura.
Além dos ataques, digamos, oficiais, na propaganda eleitoral, teve também muitas fake-news contra Marina, embora naquele tempo notícias falsas e ataques desonestos não tivessem esse nome. O PT se excedeu até pelo que é esperado da sua foi notória da sua forma suja de fazer campanha. O partido do Lula tem como componente forte de origem um ódio extremo que leva ao uso de uma terrível violência contra ex-companheiros, ainda pior do que faz contra os inimigos.
Parece herança genética do chamado socialismo real, de partidos comunistas que no poder passam a matar os próprios camaradas revolucionários. Foi mesmo uma barra pesada o que fizeram com Marina. Numa ocasião, ela chegou a chorar com as críticas pesadas do próprio Lula a uma jornalista da Folha de S. Paulo.
Esses ataques desleais, que no final impediram o sucesso de Marina, foram apenas uma continuidade do tratamento violento, até mesmo cruel, que o PT já vinha dando à ex-companheira desde sua demissão do Ministério do Meio Ambiente em 2008 e a saída do PT. O rompimento foi no governo de Lula, depois de muita divergência com o então presidente por variadas questões, que culminaram com a decisão desastrosa de Lula da construção da hidrelétrica de Belo Monte.
Como eu disse, no final do ano passado fazia sentido o apoio a Lula contra Jair Bolsonaro, mas a entrada no governo foi um grave equívoco, depois dessa trajetória de desentendimentos e atitudes explícitas de pouco compromisso de Lula e de seu partido com a defesa do meio ambiente. O PT é um partido atrasado, encerrado numa bolha anacrônica de um revolucionarismo bravateiro, com uma visão assistencialista sem base econômica real. Falta-lhes a compreensão plena da atual situação mundial, perigosa até na questão da própria sobrevivência humana.
Nunca tiveram consciência da interação entre o desenvolvimento e o meio ambiente. Essa crise criada com o desacordo entre Ibama e Petrobras sobre a exploração de petróleo no mar, nas costas da Amazônia, é apenas um acontecimento circunstancial que detona dificuldades incontornáveis de relação entre uma preocupação séria com os recursos naturais e os interesses meramente eleitorais de Lula e claro que também da sua cobiça pessoal — que ninguém esqueça que a Petrobras dá muito dinheiro. Serve até para reforma de sítio e apartamento.
Se não fosse detonada agora essa pororoca política, o desentendimento viria com certeza num tempo curto, logo que não houvesse mais como explorar situações de conflitos ambientais, como vem sendo feito por uma esquerda possuída de uma valentia de gogó, nos discursos bravateiros facilitados pela imensa distância dos lugares onde domina a violência, real e cotidiana, de bandidos capazes de matar.
O PT sempre dá para trás quando ocorre um confronto que exija obrigações políticas de fato e decisão entre a cobiça e o meio ambiente ou qualquer outra relação entre dinheiro fácil, evitando a exigência de trabalho organizado, duro e de longo prazo. É aí que entra a hipócrita liderança de Lula na barganha que amacia o caráter falsamente revolucionário da companheirada.
Marina tem idade e experiência para saber com quem estava lidando. Essa experiência também deveria contar para que ela tivesse a consciência de que Lula não terá nenhuma dúvida em trocar uma imagem internacional de estadista ligado ao meio ambiente pela lucratividade eleitoral de curto prazo da propaganda de mais um “pré-sal” milagroso, redentor da educação, da saúde, do emprego e o que mais tiver pela frente.
Ah, sim: nisso cabe também a necessidade da vingança, sempre presente, conforme eu já disse, como uma marca genética revolucionária do PT. Tudo indica que Marina já está para experimentar esta desventura. Pela via política, já está em andamento o enfraquecimento do ministério ainda de Marina, por forças políticas ligadas ao que tem de pior no chamado “agronegócio”, além de outros interesses em ganho eleitoral e financeiro.
Uma medida provisória que reduz a influência do Ministério do Meio Ambiente teve aprovação prévia nesta quarta-feira. Já se encaminha para ser aprovada de vez. Com ela, o ministério perde o Cadastro Ambiental Rural, a Agência Nacional de Águas e a política nacional de recursos hídricos. Sistemas de informações em
saneamento básico, resíduos sólidos e recursos hídricos vão para o Ministério das Cidades. Claro que tecnicamente não faz sentido que essas funções fiquem fora da pasta do Meio Ambiente. Mas não se trata mesmo de funcionalidade. É briga por poder.
Esta mudança institucional muito ruim para o Brasil teve o aplauso público do PT, por meio até de postagem no Twitter — como pode-se ver na imagem. Para mim não é nenhuma surpresa, como também não deveria ser para Marina, afinal estamos falando de um partido que faz gênero de moderninho, mas é pateticamente anacrônico. Lula está apenas revelando o que sempre foi e seu partido segue o chefe, às ordens como sempre. Não há nenhuma novidade, inclusive o fato de Marina perceber isso tão tarde.
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Por José Pires