Então o senador José Sarney resolveu reescrever mais um capítulo da história do Brasil. Agora deu pra dizer que Collor não devia ter sofrido o impeachment. E digo reescrever mais um capítulo, pois já faz tempo que eles estão reescrevendo toda a nossa História. Lula é bastante criticado quando vem com aquela conversa mole de situar os bons acontecimentos a partir de sua subida ao poder, mas é um fato que nem isso começou com o PT e ele não é o único a tentar mudar a leitura histórica a seu favor. Toda essa politicalhada em todo o país vem já há algum tempo dando um feitio à memória brasileira que nada tem a ver com o que realmente aconteceu nesses anos todos.
Em cada cidade ou estado, dão nomes dos comparsas aos lugares públicos, comparsas atuais e comparsas que fizeram no passado algo parecido com o que eles fazem agora. Só para dar um exemplo, no Maranhão tem uma cidade chamada Presidente Sarney. Como diz a moçada: é mole? Não é não. Tem até universidade Dona Lindu, aquela pobre senhora que o filho disse ter nascida analfabeta, não tem? Pois é.
A esquerda também faz a sua parte neste embaralhamento da memória. Só para citar um caso, o mensaleiro José Genoino pode acabar passando para a História como um homem de bem amedalhado em nome do Exército Brasileiro pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim. E para merecer ser execrado Genoíno nem precisaria ter se metido na patifaria que foi o mensalão. Bem antes disso ele estava na Amazônia com um bando que pretendia transformar este país numa ditadura ao estilo maoísta, ou da Albânia, dependendo da ideologia da vez, cada uma pior que a outra.
Mas hoje o Sarney apareceu dizendo que o impeachment do ex-presidente Fernando Collor foi excluído da galeria de imagens da Casa. Nem é preciso perguntar de onde partiu a ordem para livrar a barra do agora companheiro de tretas senatoriais, não é mesmo?
A justificativa de Sarney para tirar esse que é um dos fatos mais importantes da nossa história recente é que é interessante. Primeiro ele disse que o impeachment de Collor “não é tão marcante”, o que é uma das avaliações mais estúpidas sobre este fato, e depois disse que “talvez fosse um acidente que não devia ter acontecido na história do Brasil".
Vamos à fala na íntegra: "Não posso censurar os historiadores que foram encarregados de fazer a história. Agora, eu acho que talvez esse episódio seja apenas um acidente e não devia ter acontecido na história do Brasil. Não é tão marcante como foram os fatos que aqui estão contados, que construíram a história e não os que de certo modo não deviam ter acontecido”.
O site da Folha de S. Paulo publica uma foto em que Sarney está mostrando a galeria para estudantes em visita ao Senado. Pobres estudantes brasileiros. Neste rumo, logo estarão condenando Tiradentes como um maluco que não devia ter acontecido e exaltando Silvério dos Reis como um valoroso construtor da história.
Estará ficando gagá o velho Sarney? O senador já está com 81 anos e não parece nada bem. Tudo bem, a velhice é algo natural, mas um velho velhaco é bem lamentável. E essa defesa não só do Collor, mas da eliminação de um dos nossos processos políticos mais memoráveis, nada é mais que uma velhacaria.
Ele já se saiu melhor do que isso, mesmo para defender seu grupo ou até um recém-chegado aos negócios escusos senatoriais, como é o caso do Collor. Bem, indo pelo raciocínio de que o impeachment do Collor foi um erro chegaremos à certeza de que o que o levou à presidência estava certo. E ele chegou à presidência da República xingando Sarney em praça pública.
Fugiu do eleitor
maranhense e quase
perdeu no AmapáSarney é uma piada. É o senador maranhense eleito pelo Amapá. Para se eleger teve que mudar o domicílio eleitoral para o Amapá, pois mesmo com o Maranhão fortemente atado ao cabresto ele não podia ter a certeza da vitória. E mesmo no Amapá, com todo o apoio do governo Lula e gastando uma dinheirama por pouco não perde a vaga para uma desconhecida.
Por isso digo sempre que não se caia na balela de que esse Congresso é representativo do que é o Brasil. Isso não é verdade. Só seria representativo se tivéssemos uma Justiça atuante, regras eleitorais que os políticos fossem obrigados a respeitar. Para que o Congresso fosse representativo do que somos teríamos também de ter partidos de verdade. E nada disso temos.
E é exatamente pela falta dessas coisas é que surgem os Sarneys. Com a política do compadrio conseguiu um bocado de coisas. E como todo bom vampiro, extrai sua força da desgraça desta pobre Nação. Falta também ao brasileiro a coragem de usar a estaca que Paulo Francis já falou há décadas. Tudo indica que Sarney será mais um ser indecente da política que só vai deixar de sugar o Brasil depois de morto.
Um escritor que está para
a literatura assim como
um Sarney está para a éticaMas Sarney já fez coisas tão ruins quanto tentar reescrever a História. Ele escreveu livros. Só produziu literatices, mas com seu poder de fogo acabou sendo publicado por editoras de peso no mercado. Por coincidência, na semana passada eu folheava num sebo uma edição de Marimbondos de Fogo, naquela leitura crítica de alguns minutos, que ninguém é de ferro para encarar um livro de José Sarney. É da editora Siciliano, que fez uma capa com uma obra de Joan Miró. E como tudo que tem um Miró acaba ficando com um ar de sofisticação o livro ficou bonito, vistoso até. É o que se pode chamar de leviandade editorial.
Em Marimbondos de Fogo Sarney tentou fazer poesia. Uma passada de olhos no que ele escreveu dá na gente aquela vergonha pelo fiasco de alguém no palco. Num poema bem conhecido, Carlos Drummond de Andrade escreveu que enquanto o poeta municipal disputa com o poeta estadual, o poeta federal (que seria Manuel Bandeira, a quem ele dedica o texto) tira ouro do nariz. O que será que Sarney tira do nariz enquanto devaneia à espera da inspiração? Nem vou falar.
Sarney cometeu também um romance que acabou gerando uma das críticas mais formidáveis da história da nossa literatura, uma análise feita pelo Millôr Fernandes para a qual ele usou uma calculadora. Ou fez as contas no lápis, pois o bom e velho Millôr tem o jeito de saber fazer essas coisas.
Escrevi sobre isso aqui no blog em julho de 2002 num texto com o título "Brejal dos Guajas: um clássico... da crítica". Lá eu dou o link para o texto do Millôr em que ele prova na ponta do lápis que Sarney bestamente colocar mais de dez mil pessoas em duas ruas de 120 casas. Tive que copiar o texto de um livro do Millôr que tenho há bastante tempo, datilografia braba, mas vocês valem todo o esforço.
Mas por que estou falando em Marimbondos de Fogo, Brejal dos Guajas, essas coisas, se o que o Sarney fez foi teorizar sobre a reavaliação para melhor do que foi Collor para o país? Bem, tudo isso é má literatura que as editoras só publicaram pelo que Sarney representa como lobista eficiente. Foi só uma coincidência que a Siciliano tenha sido uma dessas editoras, mas é tuto cosa di buona gente, capisce? E publicar má literatura é algo tão indecente quanto defender o Collor. Sarney fica bem nos dois papéis.
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Por José Pires
Em cada cidade ou estado, dão nomes dos comparsas aos lugares públicos, comparsas atuais e comparsas que fizeram no passado algo parecido com o que eles fazem agora. Só para dar um exemplo, no Maranhão tem uma cidade chamada Presidente Sarney. Como diz a moçada: é mole? Não é não. Tem até universidade Dona Lindu, aquela pobre senhora que o filho disse ter nascida analfabeta, não tem? Pois é.
A esquerda também faz a sua parte neste embaralhamento da memória. Só para citar um caso, o mensaleiro José Genoino pode acabar passando para a História como um homem de bem amedalhado em nome do Exército Brasileiro pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim. E para merecer ser execrado Genoíno nem precisaria ter se metido na patifaria que foi o mensalão. Bem antes disso ele estava na Amazônia com um bando que pretendia transformar este país numa ditadura ao estilo maoísta, ou da Albânia, dependendo da ideologia da vez, cada uma pior que a outra.
Mas hoje o Sarney apareceu dizendo que o impeachment do ex-presidente Fernando Collor foi excluído da galeria de imagens da Casa. Nem é preciso perguntar de onde partiu a ordem para livrar a barra do agora companheiro de tretas senatoriais, não é mesmo?
A justificativa de Sarney para tirar esse que é um dos fatos mais importantes da nossa história recente é que é interessante. Primeiro ele disse que o impeachment de Collor “não é tão marcante”, o que é uma das avaliações mais estúpidas sobre este fato, e depois disse que “talvez fosse um acidente que não devia ter acontecido na história do Brasil".
Vamos à fala na íntegra: "Não posso censurar os historiadores que foram encarregados de fazer a história. Agora, eu acho que talvez esse episódio seja apenas um acidente e não devia ter acontecido na história do Brasil. Não é tão marcante como foram os fatos que aqui estão contados, que construíram a história e não os que de certo modo não deviam ter acontecido”.
O site da Folha de S. Paulo publica uma foto em que Sarney está mostrando a galeria para estudantes em visita ao Senado. Pobres estudantes brasileiros. Neste rumo, logo estarão condenando Tiradentes como um maluco que não devia ter acontecido e exaltando Silvério dos Reis como um valoroso construtor da história.
Estará ficando gagá o velho Sarney? O senador já está com 81 anos e não parece nada bem. Tudo bem, a velhice é algo natural, mas um velho velhaco é bem lamentável. E essa defesa não só do Collor, mas da eliminação de um dos nossos processos políticos mais memoráveis, nada é mais que uma velhacaria.
Ele já se saiu melhor do que isso, mesmo para defender seu grupo ou até um recém-chegado aos negócios escusos senatoriais, como é o caso do Collor. Bem, indo pelo raciocínio de que o impeachment do Collor foi um erro chegaremos à certeza de que o que o levou à presidência estava certo. E ele chegou à presidência da República xingando Sarney em praça pública.
Fugiu do eleitor
maranhense e quase
perdeu no AmapáSarney é uma piada. É o senador maranhense eleito pelo Amapá. Para se eleger teve que mudar o domicílio eleitoral para o Amapá, pois mesmo com o Maranhão fortemente atado ao cabresto ele não podia ter a certeza da vitória. E mesmo no Amapá, com todo o apoio do governo Lula e gastando uma dinheirama por pouco não perde a vaga para uma desconhecida.
Por isso digo sempre que não se caia na balela de que esse Congresso é representativo do que é o Brasil. Isso não é verdade. Só seria representativo se tivéssemos uma Justiça atuante, regras eleitorais que os políticos fossem obrigados a respeitar. Para que o Congresso fosse representativo do que somos teríamos também de ter partidos de verdade. E nada disso temos.
E é exatamente pela falta dessas coisas é que surgem os Sarneys. Com a política do compadrio conseguiu um bocado de coisas. E como todo bom vampiro, extrai sua força da desgraça desta pobre Nação. Falta também ao brasileiro a coragem de usar a estaca que Paulo Francis já falou há décadas. Tudo indica que Sarney será mais um ser indecente da política que só vai deixar de sugar o Brasil depois de morto.
Um escritor que está para
a literatura assim como
um Sarney está para a éticaMas Sarney já fez coisas tão ruins quanto tentar reescrever a História. Ele escreveu livros. Só produziu literatices, mas com seu poder de fogo acabou sendo publicado por editoras de peso no mercado. Por coincidência, na semana passada eu folheava num sebo uma edição de Marimbondos de Fogo, naquela leitura crítica de alguns minutos, que ninguém é de ferro para encarar um livro de José Sarney. É da editora Siciliano, que fez uma capa com uma obra de Joan Miró. E como tudo que tem um Miró acaba ficando com um ar de sofisticação o livro ficou bonito, vistoso até. É o que se pode chamar de leviandade editorial.
Em Marimbondos de Fogo Sarney tentou fazer poesia. Uma passada de olhos no que ele escreveu dá na gente aquela vergonha pelo fiasco de alguém no palco. Num poema bem conhecido, Carlos Drummond de Andrade escreveu que enquanto o poeta municipal disputa com o poeta estadual, o poeta federal (que seria Manuel Bandeira, a quem ele dedica o texto) tira ouro do nariz. O que será que Sarney tira do nariz enquanto devaneia à espera da inspiração? Nem vou falar.
Sarney cometeu também um romance que acabou gerando uma das críticas mais formidáveis da história da nossa literatura, uma análise feita pelo Millôr Fernandes para a qual ele usou uma calculadora. Ou fez as contas no lápis, pois o bom e velho Millôr tem o jeito de saber fazer essas coisas.
Escrevi sobre isso aqui no blog em julho de 2002 num texto com o título "Brejal dos Guajas: um clássico... da crítica". Lá eu dou o link para o texto do Millôr em que ele prova na ponta do lápis que Sarney bestamente colocar mais de dez mil pessoas em duas ruas de 120 casas. Tive que copiar o texto de um livro do Millôr que tenho há bastante tempo, datilografia braba, mas vocês valem todo o esforço.
Mas por que estou falando em Marimbondos de Fogo, Brejal dos Guajas, essas coisas, se o que o Sarney fez foi teorizar sobre a reavaliação para melhor do que foi Collor para o país? Bem, tudo isso é má literatura que as editoras só publicaram pelo que Sarney representa como lobista eficiente. Foi só uma coincidência que a Siciliano tenha sido uma dessas editoras, mas é tuto cosa di buona gente, capisce? E publicar má literatura é algo tão indecente quanto defender o Collor. Sarney fica bem nos dois papéis.
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Por José Pires