Na habilidade para esconder as sujeiras da profissão, publicitário é melhor que médico. Raramente eles expõem as contradições profissionais ou discutem com seriedade os desvios éticos de seu meio. Mas agora surgiu uma briga boa na publicidade brasileira, com pontificações de qualidade e até algumas verdades sobre uma figura conhecida, Nizan Guanaes, o marqueteiro de Fernando Henrique Cardoso e também eficiente marqueteiro de sua própria imagem.
O quiproquó envolve Guanaes, dono da agência Áfica e Fábio Fernandes, presidente da F/Nazca, que andaram se estranhando em um debate público. Logo depois, a rusga foi parar na internet, de forma muito mais interessante, por meio de um e-mail que Fernandes mandou aos seus funcionários para esclarecer os motivos da briga.
Não sigo vida de publicitário, a não ser uma sapeadas neste ou naquele site de informação sobre o meio. É difícil pescar algo que preste, já que até a mídia informativa da publicidade tem uma queda pela encenação e a exaltação do pitoresco. Aliás, Nizan Guanes não é peça adorada exatamente por manipular com habilidade este gosto vil?
A discussão entre os dois, Guanaes e Fernandes, parece vir de longe, de visões diferentes sobre a condução das atividades publicitárias, mas também surge no meio o temível toque da crise econômica. Antes mesmo da "marolinha" de Lula, a crise já era uma preocupação na área publicitária. O debate foi no Maximidia, evento publicitário ocorrido há menos de duas semanas.
Um discurso de Guanaes sobre a crise no setor levou Fernandes a pedir a palavra e criticar o colega pelo pessimismo. Os dois estavam na mesa. Fernandes aproveitou para acusarGuanaes de ser “responsável em grande parte pelo que está acontecendo", em razão de seu modo de atuação no mercado.
Na discussão durante o evento entrou inclusive lavagem de roupas sujas nas relações profissionais entre ambos, coisa que, como se sabe, não há Omo que dê jeito, de modo que o debate teve que ser encerrado pelo mediador.
Desconheço o presidente da F/Nazca, o que depõe a favor dele, já que desconfio de publicitário que sai demais na imprensa em atividades extra-profissionais. Se eu fosse um grande empresário, um critério essencial para contratar uma agência seria fazer uma pesquisa aprofundada nas edições da revista
Caras e outras dessas revistas porcarias com fotos de gente famosa em sair em revista de gente supostamente famosa. Se o publicitário saiu lá, não contrataria de jeito nenhum. A não ser, é claro, com um álibi muito bom. Washington Olivetto já não foi seqüestrado? Pois é, vai que o cara tenha sido seqüestrado e levado para a "Ilha de Caras"? Aí daria para relevar.
Não sei se Fernandes já saiu na
Caras, mas o Nizan Guanes sem dúvida é habitué. E nem é preciso folhear a revista por dentro: ele sai na capa. Está certo: o publicitário é pura festa. Não tem o "Homem do Ano" da Time? O Nizan Guanaes é o "Homem da Caras". E também de muito carnaval, claro.
No carnaval passado Guanaes, aliás, como é do seu costume, festou bastante em Salvador. Lá, seu camarote já é parte da folia. Como a mídia brasileira é frouxa intelectualmente e nossas redações estão tomadas por indivíduos deslumbrados e caçadores de boquinhas, ele sabe que isso é uma tática certeira para ocupar espaço na televisão, no rádio e até na mídia impressa, que pelo jeito cedeu ao “estilo caras” de editar e viver.
Para seu camarote em Salvador − e acho que também no Rio − veio Naomi Campbell. Quem é? Posa como modelo, mas não é só isso, claro. É uma personalidade, em um nível semelhante ao de Paris Hilton, esse tipo de gente cuja única sustentação para ser famoso é exatamente ser famoso. Está aí moto-contínuo da inutilidade e da exaltação de personalidades sem nenhum conteúdo.
Naomi Campbell veio à festa de Guanaes, mas não foi de graça. Teve cachê e muito bem pago. Nesse mundo as coisas se processam desse modo, mais ou menos como se faz em famílias ricas, que contratam ator global para dançar com a filha na festa de quinze anos. Gente como Nizan Guanaes vive eternamente estes quinze anos.
Mas a maior parte das pessoas não fica sabendo que a modelo famosa veio à África de Guanaes pelo cachê. Isso sai publicado bem escondido, quando sai. E assim o publicitário vai escrevendo e fazendo o público engolir sua falsa lenda de descolado e amigo de celebridades.
Mas vamos ao e-mail de Fernandes. É uma peça histórica da publicidade brasileira. Um retrato sem rebuscamentos de Nizan Guanaes. Veja abaixo alguns trechos diretos sobre ele. É meio longo, mas, sem brincadeira, é mesmo uma peça importante na discussão sobre a publicidade brasileira. O e-mail de Fernandes está na íntegra em nossos arquivos. Quem quiser ler, clique
aqui. Não quero parecer sensacionalista e muito menos ser confundido com estes blogueiros que fazem de tudo para aumentar o número de acessos, mas no e-mail tem até ameaça de tapa na cara. Corram pra lá.
"Nunca escondi - nem dele - que o acho vil, pernicioso à nossa indústria, predador, oportunista, aproveitador, manipulador. Nunca deixei de observar e comentar que todo o tempo em que ele esteve criador, foi um tempo que ele utilizou apenas para forjar um personagem que, com tino e capacidade de observação, o levaria a ter seu próprio negócio, onde ele reproduziria não aquilo que ele almejou como empregado mas, ao contrário, os piores modelos, os piores ambientes internos, piores lugares comuns, entre todas as agencias em que ele trabalhou. Desde que isso, convenientemente, implicasse em fazê-lo mais forte, mais rico, mais poderoso."
"Caricatura de ser humano, dublê de político populista e novo-rico deslumbrado, comediante de frases de efeito repetidas à exaustão, arremedo de empresário anti-ético e criativo anti-estético."
"Nizan é um caso típico de uma pessoa que quanto mais tem mais quer. E que, quanto mais quer, menos mede esforços e as consequências nefastas dos atos que ele pratica, para ter mais."
"Se fosse presidente dos EUA não seria em nada diferente de Bush - só o discurso seria mais engraçado. Mas invadiria o Iraque, deportaria estrangeiros, perseguiria minorias, poluiria a atmosfera."
"Mas a minha questão mais vital em relação a ele, é o fato de que - queira eu ou não - ele se transformou em uma celebridade da propaganda brasileira. Os incautos, os bobos da corte, os novatos, os leigos, os incultos, clientes inclusive, publicitários inclusive, imprensa, principalmente, inclusive, o acham o máximo."
"Mas eu sei quem é Nizan. É um demagogo. Ele sabe bem que o discurso do tradicionalismo, do conservadorismo, da mediocridade, da pasteurização agrada em cheio a uma imensa gama de bundões de plantão que preferem demitir do que investir."
"De quebra, ele ainda usa todo o seu arsenal de repetidores e baba-ovos da imprensa e arredores para confirmar que um monte de estrume na verdade é um pote de ouro."
"Não é à toa que ele está tão preocupado com a crise de liquidez que todos vamos enfrentar nos próximos tempos. Ele sabe que o dinheiro, quanto mais valioso e raro fica, melhor tem que ser aplicado. E, com menos dinheiro, é a inteligência o que a propaganda vai voltar a exigir."
"Ou seja: o modelo de negócio dele desmoronou. A festa acabou para quem não passava de vendedor de um montão de espaço na mídia e começou para quem tem o Que e o Como dizer nesse espaço, que será inevitavelmente menor."......................
POR José Pires