Lula está completamente tomado pelo espírito de caudilho latino-americano. Ele está considerando de forma literal esse negócio de “supremo mandatário” — só fala no modo imperativo. Não faz pedidos, não procura conselhos e sugestões. Ele dá ordens e faz questão de dizer publicamente que é quem manda. Tenta fazer isso também no plano internacional, no entanto complica-se com a falta, lá fora, do privilégio de ter a chave do cofre — como é sua situação no Brasil. Discursando em países estrangeiros sobre suas propostas de reformular a ONU ou tentando determinar o que os Estados Unidos, a União Europeia e a Nato devem fazer, ele faz um papel patético. É um vexame, inclusive na linguagem.
Mas depois de passar vergonha lá fora, Lula voltou ao Brasil determinando ações meio difíceis de executar. E já tem puxa-saco divulgando as novidades. O ministro Márcio França, de Portos e Aeroportos, disse que o presidente quer que o Brasil volte a ter voos diretos para Havana e Caracas, capitais de Cuba e Venezuela, ainda neste ano.
França, que é um cascateiro já bastante conhecido (recentemente ofereceu passagens aéreas a 200 reais para todos os brasileiros), garantiu que as empresas estão de acordo com essas vontades de Lula, afirmando que “nós devemos voltar a ter um voo Brasil-Havana e Brasil-Caracas, que é um dos compromissos das empresas de aviação”.
Como eu disse, é o espírito de caudilho, do governante que acredita que movimenta a economia de acordo com a sua vontade ou de seu partido. É o pensador que disse que os livros de economia tem que ser reescritos. E acha que pode fazer agrados aos ditadores de países amigos sem prestar contas do esforço humano gasto para tanto ou no que isso custa em dinheiro. Ele tem para quem puxar. Quando era vivo e mandava na Venezuela, seu amigo Hugo Chávez fazia isso com Cuba, sustentando a ilha dominada por outro companheiro, Fidel Castro, inclusive mandando gasolina praticamente de graça para lá.
Nada contra que haja voo direto para Havana (as passagens para sair da ilha seriam bastante cobiçadas), mas ao que eu saiba, empresas de aviação abrem linhas conforme a demanda e não de acordo com o desejo de um governante. E Cuba atualmente não é um lugar muito procurado, pois está atolada numa crise em todos os níveis, em razão do desastroso governo de décadas sob o domínio da família de Fidel Castro e seus companheiros.
Havana é uma cidade totalmente destruída, com poucos lugares que o governo ainda conseguiu manter habitável ou apreciáveis para visitantes estrangeiros. Atualmente é possível assistir à vídeos no Youtube, feitos por cubanos que mostram Havana com quase todos seus prédios destruídos. A capital de Cuba é uma imensa cracolândia.
A miséria econômica do país chegou a um nível desesperador, com falta de comida, de remédios ou qualquer outra necessidade do cotidiano. Os cubanos sofrem também com a falta de energia elétrica. O país também depende totalmente da importação de petróleo. Os cubanos vivem agora com apagões diários, sendo obrigados ao racionamento de energia elétrica e também de combustível.
A falta de combustível é tão grave que pela primeira vez em mais de 60 anos de ditadura este ano não vai haver a gigantesca comemoração do Primeiro de Maio. A crise de desabastecimento de combustíveis obrigou o governo a cancelar a comemoração de alto peso simbólico, que a propaganda política sempre usou como respaldo popular à revolução e ao socialismo. Desde 1959, o governo organiza todos os anos um grande ato na Plaza de la Revolución, em Havana.
Nesta semana o jornal espanhol La Vanguardia publicou uma matéria sobre mais este apuro que passam os cubanos, que levou ao cancelamento da manifestação deste Primeiro de Maio. Simplesmente não tem gasolina para fazer a festa. A venda de combustíveis está racionada com rigor, sendo proibido o uso em veículos particulares. A prioridade é para ambulância, táxis, serviço funerário, com exclusividade em serviços públicos. A escassez é tanta que vem obrigando algumas universidades a voltar às aulas online, pois ficou difícil para os alunos o acesso ao transporte.
A falta de combustíveis dificulta inclusive o funcionamento de restaurantes e bares da capital, pois mesmo quem tem poder aquisitivo suficiente para consumir neles tem evitado sair de casa, para economizar gasolina. Ficou complicado até para chegar ao trabalho, o que vem sendo um tormento para os proprietários de novas empresas privadas criadas recentemente na liberação do governo para a abertura de pequenos negócios privados. Hoje em dia, Cuba está sob a ameaça de paralisação total.
O La Vanguardia conta que está havendo a suspensão inclusive de eventos culturais, como ocorreu no último mês, quando uma importante orquestra popular cubana teve que suspender ensaios. A suspensão foi para evitar que os músicos esgotassem a pouca gasolina que tinham em casa ou ter que gastar uma fortuna em táxi. A decisão foi suspender ensaios e apresentações até que se resolva este problema. Na semana passada houve o cancelamento de um concerto da Orquestra Sinfônica Nacional que estava programado com bastante antecipação.
É óbvio que este não é exatamente um destino muito favorável para as linhas aéreas que o intrépido Lula quer criar. Também não existe nenhum indicativo de que este destino tenha atrativos comerciais ou de turismo, numa projeção de muito tempo pela frente. Ora, mas tem também a rota para Caracas, outro sonho deste nosso magnata da aviação que usa parte de seu tempo — mínima, é verdade — para cuidar dos problemas nacionais.
Pois é da Venezuela que Cuba depende para ter todo seu combustível, que sempre foi cedido ao governo cubano a preço muito baixo, desde a época em que Chávez era vivo. Como se sabe, a Venezuela tem tanto petróleo que até faz parte da Opep. Mas acontece que o governo bolivarianista, que depois passou para Nicolás Maduro, destruiu toda a infraestrutura do país, afetando até mesmo a extração de petróleo.
A situação desesperadora chega a levar até autoridades cubanas, como o ministro de Energia e o próprio presidente atual, nomeado pela ditadura, Miguel Díaz-Canel, a se queixarem da falta de cumprimento na entrega do combustível da parte da Venezuela, que, disseram eles ao repórter de La Vanguardia, também atravessa uma “situação energética complexa”.
Está aí uma sugestão que pode ser incorporada aos planos do mais novo planejador do transporte aéreo internacional. Nas suas novas linhas revolucionárias, o intrépido Lula pode encaixar de início um importante serviço: enviar gasolina para os companheiros de Havana e Caracas.
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Por José Pires