Não se deixe levar pelo engodo, caso veja por aí manifestações favoráveis a esta reforma da Previdência e elogios ao ministro Paulo Guedes — algo que com certeza ocorrerá bastante, porque apesar de atacada pelo bolsonarismo, a imprensa é favorável quase em bloco a esta reforma. Engodo pode parecer uma palavra muito forte, mas de fato é o que vem ocorrendo em torno dessa proposta de reforma. Tem os que fazem isso com má-fé e os que estão sendo empurrados pelo desespero a apoiar uma suposta tentativa de conter um problema grave que pode explodir futuramente. A questão é que desse jeito o efeito da cobertura jornalística acaba sendo parcial e pouco informativo sobre o que vem acontecendo com esta reforma e sua própria eficiência.
Um acontecimento recente, ainda desta quarta-feira, pode servir para demonstrar o que estou falando. Trata-se da presença do ministro da Economia, Paulo Guedes, em audiência na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Foi um desastre e já estou vendo muita gente afirmar o contrário, numa tentativa de com isso alavancar mais a reforma. Alguém devia pegar esta audiência e fazer uma edição sintética apenas com falas do ministro. Ficaria exposta a ineficiência de Guedes na defesa de sua própria proposta, o que pessoalmente não me surpreende. Com seu surgimento na campanha de 2018 corri para me informar sobre essa figura e não vi predicados que sustentassem a fama que tentavam criar.
Paulo Guedes é um desses reformadores que caem como se fosse de paraquedas na cena política brasileira, gente sem presença alguma de qualidade na vida pública, mas que chega apontando defeitos em tudo que vinha sendo feito. Da ditadura militar para cá, passando por acontecimentos essenciais na história recente, como a luta por eleições diretas e a Constituinte, este ministro não será encontrado em momento algum. Do mesmo modo, ele é ausente do debate público brasileiro, que teve por décadas a área econômica como grande destaque. Enquanto a sociedade brasileira suava batalhando por tempos melhores, por certo Guedes estava esse tempo todo ganhando dinheiro. É um homem muito rico, E como fez fortuna em um país cuja economia foi pro buraco, francamente não posso acreditar em forças virtuosas movimentando o mercado em favor de seu espírito empreendedor.
A audiência de ontem serve para derrubar uma tese corrente, de que o andamento dessa reforma vai mal por causa do comportamento alucinado do presidente Jair Bolsonaro. Bolsonaro de fato não ajuda, mas a origem do problema é de raiz, como se costuma dizer hoje em dia. Vem do ministério de Guedes, que sofre de incapacidade política — que pode ser perdoável —, mas carece também de eficiência técnica, neste caso um defeito imperdoável de comando em alguém definido até por Bolsonaro como um “Posto Ipiranga”. Pois é bastante deficiente tecnicamente em suas explicações este ministro que propõe que uma população que, em sua maioria e por décadas, vive de pouco mais que o salário mínimo, retire mensalmente uma porção de seu salário para cuidar individualmente de sua aposentadoria.
Guedes é péssimo como orador, fala demais e percorre temas que além de não serem oportunos exigiriam capacidade de expressão que eu já disse que ele não tem. Arrogante e pretensioso, ele pretendeu por várias vezes determinar até como os senadores devem se comportar em seu próprio ambiente de trabalho. Antes da audiência ele devia ter visto alguns vídeos em que outras autoridades tentaram fazer coisa parecida. Teria apreciado o efeito entre os políticos dessa impertinência autoritária. Agora ele já sabe. Mas não acredito que vá se corrigir. Parece ser o modo como ele habitualmente trata seus subordinados. Porém, políticos eleitos têm representatividade. E isso Guedes foi obrigado a compreender, sendo repreendido pelos senadores em seu espírito de neófito na política.
A apreciação da presença de Guedes no Senado poderia se alongar, com lances engraçados e até vergonha alheia por sua incapacidade política que parece até ingenuidade, mas sei que vem da dificuldade de um caráter autoritário para obter experiência sobre o respeito ao pensamento dos outros, ainda que seja em atendimento a formalidades. Como um bom exemplo dos equívocos do ministro, puxo uma intervenção do senador tucano Tasso Jereissati, muito educado como sempre. Nem ele resistiu a fazer uma piada sobre o exagero de Guedes ao posicionar a política econômica do governo de Fernando Henrique Cardoso como “de esquerda”. Jereissati foi no ponto, brincando que, de fato, o economista Gustavo Franco é um comunista muito perigoso. E essa foi apenas uma das inverdades do ministro de Bolsonaro. Teve diversas comparações totalmente inexatas e também manipulações, como a menção à aposentadoria de parlamentares, cujos privilégios já foram corrigidos em lei. Ah, sim: a de funcionários públicos também obedecem a um teto.
A ironia de Guedes sobre aposentadorias no Congresso mereceu uma intervenção da senadora Kátia Abreu, que acabou em discussão. E o duro é que desta vez ela é que estava certa. É um erro primário acreditar que durante uma audiência no Senado alguém pode corrigir o comportamento de um senador, mas não há o que se fazer com o defeito profissional de um sujeito muito rico. Ou por sua índole, talvez. Guedes disse para a senadora — logo a quem — que ela “tem que se disciplinar”. Isso foi uma parte do feio bate-boca, quando além de ser grosseiro com Kátia Abreu (que é fogo na roupa, mas, enfim, ela é senadora e ele o convidado), o ministro ainda piorou a situação dando de dedo na plateia de senadores. Teve então, merecidamente, chamada sua atenção pela presidência da mesa.
Que me perdoem os fãs de Paulo Guedes, pelo menos os que até agora vêm sendo levados pela propaganda exagerada, mas para mim este “Posto Ipiranga” parece mais aqueles lugares encardidos de beira de estrada onde não se deve entrar para nada, muito menos para pedir informação.
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POR José Pires
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Imagem- O ministro Paulo Guedes na CAE do Senado
Foto de Jefferson Rudy, Agência Senado