A população brasileira começa a relaxar no isolamento social, antes da avaliação do resultado do que foi feito até agora e de qualquer planejamento para o abandono gradativo da quarentena, evidentemente se fosse esta a decisão viesse a partir de uma avaliação criteriosa feita por especialistas.
Pior ainda, este relaxamento começa a ocorrer exatamente quando todos que de fato conhecem o processo de uma epidemia dizem que a previsão para o Brasil é de que os próximos dias serão muito difíceis, com a possibilidade de um agravamento no contágio e no número de mortes. Depois de tanto empenho até agora, este abandono é até uma tolice — equivaleria a morrer na praia, sem querer fazer trocadilho.
Fiquemos com a opinião de quem conhece o assunto, um deles no comando do combate ao coronavírus no Brasil. Em entrevista ao site UOL, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, foi muito claro: a normalidade só deve voltar em agosto ou setembro. E o médico Jean Gorinchteyn, do Instituto Emílio Ribas, avisa que “a progressão da doença deve assumir um platô no mês de junho”. No entanto, ele esclarece que para isso acontecer não se deve “abrir as portas”, expressão dele, muito boa para alertar que não se deve relaxar a quarentena, que é exatamente o que vem acontecendo.
Gorinchteyn, que é médico infectologista e professor, é absolutamente claro sobre a conseqüência com essas portas se abrindo em todo o país para o vírus: “neste caso muita gente ficaria doente e muita gente morreria nos próximos dois meses”.
Há cerca de duas semanas eu já havia lido em vários lugares que as pessoas começavam a sair às ruas, encarando a quarentena como se fosse um período forçado de férias. Vi em páginas de Facebook o relato sobre grupos em praças, na praia, idosos reunidos para bater papo ou em volta de uma mesa com esses jogos que os mais velhos gostam.
Também andei observando nos últimos dias este relaxamento, que agora se amplia perigosamente. Eu mesmo, saindo estritamente para necessidades, tive que me proteger de perdigotos de pessoas pouco precavidas, de gente passando correndo ao meu lado em exercícios físicos e de desconhecidos que não respeitam a distância cautelar.
Claro que esta quebra prematura da quarentena vem sendo estimulada por comerciantes, industriais e a construção civil, sempre levados pelos dirigentes políticos desses setores, lideranças que no geral permanecem há décadas em um estágio pré-capitalista, de modo que não seria agora que agiriam com sensatez, embora seja espantosa esse abandono da precaução em meio à mortandade de uma pandemia que assola o mundo, desgraçando até países mais poderosos economicamente que o nosso, como Espanha, França, Itália ou mesmo os Estados Unidos, cujas populações sofrem exatamente por terem menosprezado a prevenção do isolamento, como começa a ser feito por aqui.
Fala-se demais no efeito negativo da quarentena na economia, sendo trágico como se perde com isso a oportunidade de debater o estrago da própria doença, que será muito pesado nos próprios custos médicos, com os gastos em saúde, pensões, na perda de mão de obra qualificada e tantos outros problemas econômicos centrados na própria ação do vírus e não no efeito econômico dos procedimentos para conter a contaminação.
Sou da opinião de que tenta-se impor a discussão do assunto errado, fugindo-se do objeto para a conseqüência, com uma pauta que atravessa o sentido da melhor condução para enfrentar o contágio e as mortes pelos vírus e os danos na vida do país, mas isso não é incomum em nosso país e tampouco se desenvolve pela boa-fé.
Este erro colossal do abandono da quarentena é movimentado por interesses de uma minoria que detém muito poder e dinheiro, vivendo neste estágio pré-capitalista de que falei, de uma ambição que mira o lucro no curto prazo, com muito pouca e às vezes até nenhum projeção da dificuldade de sustentação de seus ganhos imediatistas. Pelo visto encontraram um estimulante reforço no quinta-coluna Jair Bolsonaro, que atua a favor do vírus.
Não se sabe desta vez quanto será o custo se prevalecer este desatino, mas, se for quebrado de fato o isolamento, com certeza o país terá de se haver logo mais com uma conta pesada em vidas perdidas e o sofrimento humano terrível causado por uma doença que não permite nem a presença de familiares e amigos em volta do pobre do paciente e impede até os ritos fúnebres das vítimas fatais deste vírus mortal.
Não só pela dor e pelas lágrimas, vai custar bem mais que os efeitos colaterais na economia provocados pelos dias parados.
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POR José Pires