O chanceler Celso Amorim já pediu desculpas por ter citado um nazista, aliás, talvez o líder mais importante depois de Adolf Hitler. Ele citou Joseph Goebbels. Em entrevista coletiva no sábado na sede da OMC (Organização Mundial do Comércio), local de reuniões preparatórias para o encontro que começa hoje, Amorim disse o seguinte: "O autor não é bom, mas é verdade: uma mentira dita muitas vezes vira verdade". O endereço do insulto eram os países ricos acusados por ele de usar a desinformação para se livrarem de compromissos nas negociações comerciais da Rodada Doha.
Bem, com uma frase dessas, o alvo só pode sentir-se de fato como acusado de posicionar-se como um nazista. Tem outra leitura? Goebbels foi o chefe de propaganda do regime nazista da Alemanha. E obviamente ninguém gosta de ser comparado com tal figura. E o interessante é que no Brasil os petistas fazem isso o tempo todo: as palavras "nazista", "fascista", ou outra forte definição histórica, servem para desqualificar o adversário em qualquer polêmica, sempre citadas fora de contexto e evidentemente desalinhadas com a história do insultado. O problema é que a tática aqui deu certo: eles estão no poder. E isso é de deixar o bico torto.
Mas lá fora não tem disso não. Primeiro que, ao contrário do que eles pensam acontecer aqui, no exterior a História não começou com o PT. E depois, também por lá as palavras têm valor.
Não é o que o pensa, ou pensava, o nosso chanceler. Parece que o homem está contaminado pelo chefe, o presidente Lula, que fala o que lhe dá na telha, acusando, ameaçando e fazendo piadas tolas, sem atinar para as conseqüências sociais do discurso de um chefe de Governo. O mal que sai da boca de Lula não faz bem para os brasileiros. O resultado já está no ar. A população brasileira está sendo contaminada pelo boquirroto: hoje em dia a palavra vale pouco entre os brasileiros. Mas o discurso lulista estará contaminando também a nossa diplomacia?. Torço para que não, pois de aloprados, bastam os internos.
Mas algum mal a política interna deve estar fazendo para o ministro das Relações Exteriores. Sem oposição e com a falta de uma Justiça séria para encarcerar delinqüentes políticos, o uísque do Planalto está descendo fácil e criando uma confusão entre as atitudes internas e as relações externas. Há muito tempo Lula vem agindo de modo deletério em questões internacionais com suas falas infelizes, mas neste caso o efeito talvez seja de longo prazo, já que em assuntos internacionais raramente o presidente da República − pelo menos esse aí − participa diretamente de algo decisivo. Essas coisas são para diplomatas, como Amorim.
E o que ele acha de sua frase infeliz? Vamos ver. “Quem cobriu política no Brasil sabe que isso é dito milhões de vezes sem ofensa a ninguém”, ele disse. Ah, quisera que pudéssemos rir de uma besteira dessas. Mas não dá, pois as conseqüências são péssimas para o Brasil. Os Estados Unidos, por exemplo, já estão usando o deslize para desqualificar a posição do Brasil na Rodada de Doha. E hoje é o início de uma negociação crucial.
Alguém podia avisar Amorim que ele não está lidando com tucanos. Seu deslize foi sério e mostra uma incapacidade estranha para alguém com tanto chão de trabalho diplomático − ao menos em tempo de carreira, claro. É preciso avisá-lo também que em qualquer encontro internacional é praticamente impossível não encontrar alguém que teve a família atingida pelos nazistas.
Bem, ele já sabe. A principal negociadora de comércio dos EUA, Susan Schwab, é filha de sobreviventes do Holocausto. E é claro que a fala de Amorim ofendeu-a muito. Mas Amorim continua falando. Pediu desculpas, mas em vez de esquecer o assunto ainda tenta levar vantagem enveredando por uma discussão teórica em torno do sentido da frase infeliz. “Eu sinto muito", ele disse, "Comecei meus comentários desqualificando o autor. Talvez se eu tivesse dito o mesmo, sem mencionar o autor, o que seria uma espécie de plágio, não haveria reação”.
Ó, céus, existe pouca coisa mais patética que um ator envergonhando a platéia. Mas isso não deixa de ser um talento. Celso Amorim daria um bom ministro da Cultura. Ou presidente da República petista. São cargos nos quais o discurso não tem conseqüência alguma e, no caso da Cultura, a platéia até se encanta com essas discussões lingüísticas. Será que o Gilberto Gil não está pensando de novo em sair? Ou esqueçamos a "mãe do PAC", Amorim para presidente. Amorim é o cara.
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POR José Pires