O juiz federal Sérgio Moro deu uma entrevista na Argentina, publicada na ultima quarta-feira no diário Clarín. O interessante é que acabou saindo uma das melhores matérias feitas com ele, talvez pela necessidade de um jornalista estrangeiro dar ao leitor um apanhado geral, com uma visão abrangente do que é a operação contra a corrupção que deu fama ao juiz brasileiro. Mas tem também uma qualidade que vem se perdendo na imprensa brasileira, que é a da clareza, sem superficialidades e generalizações que no final quase nada acrescentam em matéria de informação e muito menos em conhecimento. Por exemplo, não saiu nada sobre a polêmica do jantar dele com Leandro Karnal.
Moro esteve no país em visita aos juízes da Corte Suprema argentina e por coincidência chegou no dia em que um juiz federal processou a ex-presidente Cristina Kirchner. É claro que ele não opinou sobre este caso, mas o trabalho dele, do Ministério Público Federal e da Polícia Federal no Brasil mereceu esclarecimentos importantes, além da chance dos argentinos conhecerem a sua visão política sobre o sistema judiciário brasileiro, especialmente, é claro, no tocante ao combate à corrupção.
Ele não fez nenhuma projeção sobre o fim da Lava Jato, apesar de ter sido perguntado sobre prazos. Moro disse que já fez isso no passado. “E me equivoquei”, contou ao jornalista, com um leve sorriso. Parte substancial do processo está bem adiantada — já passou mais da metade do rio, a expressão que usou. Durante a investigação, no entanto, surgem provas de fatos novos, que é obrigatório enfrentar. A corrupção que encontraram é sistêmica e, como ele disse, “nada pode ir pra debaixo do tapete”.
Moro falou também sobre um acontecimento no início da Lava Jato que me parece inédito. Eu pelo menos desconhecia o fato. Se já foi publicado por aqui, com certeza perdeu-se nesta profusão de notícias que causam confusão até para quem segue com atenção o noticiário político. O juiz contou ao jornalista argentino que no início da Lava Jato, em 2014, na primeira prisão preventiva contra Paulo Roberto Costa, foi concedido um habeas corpus, que beneficiava não só o ex-diretor da Petrobras como também doleiros e traficantes de drogas envolvidos no caso de corrupção. Por sorte, este juiz (que Moro não identifica) recebeu rapidamente mais informações de Moro e voltou atrás na decisão.
A matéria do Clarín serviu para Moro passar a verdade sobre o tratamento imparcial nas investigações e prisões da Lava Jato. Em países como a Argentina isso é muito bom, pois além da máquina ainda eficiente do PT espalhar versões falsas internacionalmente, no país do peronismo os petistas contam também com abundante ajuda da militância local para emplacar suas mentiras. Na entrevista, Moro frisa por mais de uma vez a necessidade absoluta do respeito aos direitos dos acusados. Como ele diz, isto é “indiscutível”, no entanto deixa claro que é preciso encontrar um equilíbrio entre os direitos do acusado e os da vítima. No caso das investigações da Lava Jato, a vítima é “a sociedade”.
Essa posição vem ao encontro de um debate importante que ocorre na sociedade brasileira, que envolve a dificuldade de punir todo tipo de crime. Já vi Moro falando sobre isso em uma audiência pública no Congresso Nacional e gostei de saber que ele defende maior rigor inclusive com o crime comum. É claro que a dificuldade para punir pode ser ainda maior com os crimes de corrupção. Neste caso existe a influência de maiorais, com o poder inclusive da anulação de leis e até para propor e aprovar leis que podem servir de escudo protetor de corruptos. De forma muito bem colocada, Moro esclareceu pontos muito discutidos no Brasil, como a delação premiada, falando também sobre assuntos como a importância da cooperação internacional no combate ao crime, o que deve ter sido um tema da conversa reservada que teve com os juízes argentinos. “Porque senão o delinquente cruza as fronteiras e a justiça não”, ele disse, alertando também quanto a interferência negativa da corrupção até na competitividade internacional de cada país.
Para fechar, outra questão muito importante levantada por Moro soa até como um pedido para que se acabe com a fanatização em torno da sua figura. Ele foi firme ao dizer que é infantil “acreditar em salvadores da pátria”, usando exatamente essas palavras. “Este caso Lava Jato um dia vai acabar. E haverá que seguir em frente. Pode haver novos crimes de corrupção, e a história não acaba”, explicou, afirmando ainda que o papel da Justiça não deve ser visto como absoluto no combate à corrupção, até porque às vezes pode faltar uma resposta, pelas limitações de seu funcionamento. A defesa da honestidade depende do país ter instituições fortes e uma opinião pública atuante, que pode servir inclusive como “proteção contra interferências indevidas na Justiça”.
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POR José Pires
A entrevista de Moro ao Clarín