Não sei se quem está fazendo o programa de TV de Jair Bolsonaro chegou de propósito ao formato totalmente tosco ou é resultado de talento natural, mas é mais ou menos isso mesmo que é para ser produzido para o candidato do PSL. Muita gente simples falando, mensagens absolutamente fáceis que, como diz um dos cabeças da campanha que conhece como ninguém o público do Bolsonaro, o vice e general Hamilton Mourão, para entender “não precisa ser muito inteligente”. Em certos momentos a estética bolsonarista chega a níveis artísticos de Primo Carbonari.
Para quem não sabe do que estou falando e também como uma informação para esta tigrada que diz gostar da ditadura de 64, Primo Carbonari era um picareta dono de produtora que aproveitou-se de uma lei da ditadura militar em defesa do cinema nacional — sim, meninos, a ditadura tinha suas “rouanets” — para ganhar bastante dinheiro entulhando as salas de cinema de então com curtas-metragens feitos do modo mais amador que se pode imaginar, trash mesmo, que eram exibidos antes do longa-metragem. Bolsonaro devia ter feito um projeto como deputado homenageando este “cineasta” modelo da cultura da ditadura militar, mas sempre é tempo de cultuá-lo melhor.
Não é só pelo fator simbólico da regressão mental da cultura bolsonarista que esta linha Primo Carbonari é perfeita. Não há necessidade de apresentar propostas de governo, boas falas do candidato, imagens bem produzidas de colheitas, imagens de indústrias, pessoal limpinho em laboratórios de pesquisa, político bacana e poderoso dando um alô antes de ir pra cadeia ou então já cumprindo pena. Essas coisas de horário eleitoral não fazem efeito melhor do que ter um adversário com um kit gay e um Foro de São Paulo. Está bem, eu sei que não existiu nenhum kit gay, porém, do mesmo modo, nunca houve antes na história deste país um candidato como Bolsonaro.
A força de Bolsonaro vem exatamente de ninguém saber o que de fato ele pretende fazer em um governo. Seu vigor é alimentado apenas de expectativas, sem nenhum pé na realidade. Sei que o pesadelo será duro quando seus eleitores acordarem, mas paciência. Democracias precisam tolerar também jabuticabas. Por mais absurdo que possa parecer — ou por isso mesmo — o suporte do candidato é exatamente esta ilusão, digamos, “pirandelliana”, que faz cada eleitor acreditar que ele é o que lhe parece. Isso é de utilidade ainda mais eficaz na contraposição com Haddad. A rejeição de Haddad não vem do que ele pretende fazer. O eleitor não gosta é do que o PT já fez no poder. E como esses feitos não podiam faltar no programa do PT, basta o programa de Bolsonaro compor o ataque, sem desperdiçar tempo com a referência.
A interação é perfeita. Isso causa até a impressão de que a campanha de Haddad tem a forte influência de alguém infiltrado de forma estratégica pela turma do Bolsonaro. Não quero estimular teorias conspiratórias, mas será que é a Gleisi Hoffmann? O PT continua insistindo em usar jovens descolados como intermediários de suas mensagens. Faz tempo que o partido de Lula insiste nisso. E embalados nos últimos anos pela máquina incrivelmente forrada de grana — que conforme o petista que controlava o caixa dois, ex-ministro Antonio Palloci, era o triplo do oficial — os petistas não notaram que essa molecada de cabelo semi-afro de boutique e essas figuras com jeitão empoderado não são exatamente do agrado das nossas vilas, dos bairros da periferia, da juventude que leva a vida de forma decente, sem grudarem-se em ONGs picaretas de esquerda nem saírem sujando os muros, casas e lojas da vizinhança com mensagens vazias. O jovem que ocupa escolas para estudar, se é que me entendem, este está noutra.
A campanha de Bolsonaro tem dois programas. O dele próprio, que como eu já disse, traz um regresso cultural à época da ditadura militar. Mesmo se não for uma estética planejada, ainda assim é coisa de gênio. Glauber Rocha — não vou parar para explicar quem é — ficaria histérico de felicidade com a sacada estética. E Bolsonaro conta também com o programa do Haddad (insisto: a bolsonarista quinta-coluna será a Gleisi?), onde o PT faz um retrospecto de suas façanhas, ou pelo menos o que eles pensam ser um retrospecto, mas que na memória da maioria dos brasileiros não passa de folha corrida, inclusive com o chefão no xilindró em Curitiba. É de uma estupidez colossal essa produção diária petista de pontos de apoio para a alavanca bolsonarista. Trazem até o presidiário-símbolo do partido, o que é uma estranha maneira de administrar custo-benefício, já que o benefício é do rival. Mas o PT é assim, Keynes não tem nada com isso.
O programa bate também na informação de que o próprio candidato foi o político com mais tempo no comando da Educação, talvez para capitalizar as notícias diárias sobre os péssimos índices mundiais do Brasil neste setor. Citam os empregos e aí lembra-se dos 12 milhões destruídos por eles. Cantam como papagaio o discutível feito de abrir aos pobres as portas do ensino superior, quando a maior parte desses jovens vive miseravelmente de bicos, muitos com o diploma de faculdades picaretas nas mãos, todos aflitos num país tomado pela ruína econômica que também foi criada adivinhe por qual partido. Mas tem muito mais. Tem até kit gay, que os petistas ficam falando o tempo todo que nunca existiu, sem notarem que dessa forma fazem desse inominável kit um objeto palpável.
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POR José Pires