sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

Lula e Cristina Kirchner, muy amigos para siempre

Na Argentina, Cristina Kirchner ataca ferozmente o poder judiciário e promotores, procurando aumentar o combate feroz que o kirchnerismo vem fazendo há bastante tempo. Depois de condenada a seis anos de cadeia por corrupção e ficar inabilitada por toda a vida para o exercício de cargos públicos, a vice-presidente leva para as ruas a guerra contra o Judiciário e já apelou para o Grupo de Puebla, a aliança de líderes da esquerda latinoamericana. O mote político dos kirchneristas é o de que na Argentina não existe o poder judiciário, mas uma “máfia judicial”.


Não é bastante parecido com o que vimos há poucos anos de um ex-presidente que está de volta ao poder no Brasil? Pois Lula correu para prestar solidariedade à companheira assim que soube da condenação de Cristina Kirchner. Nas mensagens do Twitter, Lula disse que Kirchner sofre “uma perseguição absolutamente injusta” e também destacou que ela é vítima de “lawfare”, termo que significa o uso político da justiça. O chefão do PT aprendeu essa nova expressão durante os tempos em que passou no embate desesperado com a justiça brasileira, quando tentava evitar a prisão. Agora, pelo jeito, ele não sente desconforto com esta palavrinha, afinal o “lawfare”mudou de lado.


Nem sei se é bem solidariedade que se deve dizer sobre estas manifestações de apreço de Lula à Cristina Kirchner. Penso que se trata mais de cumplicidade, que se estende aos projetos de poder de ambos, que tanto na Argentina como aqui, no Brasil, dependem de uma Justiça menos rigorosa, que atenda mais às prerrogativas de políticos insaciáveis por poder e dinheiro do que ao atendimento das necessidades da população. A “solidariedade” entre companheiros é indispensável. Cabe recurso à condenação da vice-presidente do país vizinho, num caso que pode ir até o Supremo. Tanto ela como Lula sabem que uma forcinha do governo brasileiro pode ajudar.


A ligeireza de Lula em acudir a vice-presidente pega pela Justiça argentina conta muito sobre o que vem por aí nas relações externas do governo do PT, especialmente no âmbito da América Latina, onde faz tempo a esquerda estreita laços com vistas a um poder continental. A coisa começou com Fidel Castro, de quem esta tigrada estava sempre beijando a mão até recentemente. É um projeto que atormenta há décadas os povos de vários países. Felizmente vem sendo impedido em vários lugares, mas exigindo um esforço que ocupa demais a nossa gente, desviando a atenção do enfrentamento de problemas reais de cada país.


Esta relação exige agrados que são um desaforo para as verdadeiras vítimas dessa triste América Latina. Há pouco tempo, Lula chegou a dar uma força ao ditador da Nicarágua. Daniel Ortega, comparando o sistema eleitoral nicaraguense ao da Alemanha, fazendo um paralelo entre o ditador assassino e a ex-chanceler Angela Merkel. Ortega prendeu opositores, mandando para a cadeia políticos que iriam disputar as eleições. Mais de 300 pessoas foram mortas nas ruas, nas manifestações contra o ditador amigo de Lula.


O grupo de populistas autoritários guardam uma sólida unidade em relação a seus interesses, trocando inclusive ajuda entre eles quando no poder contam com bens materiais, claro que públicos. O Brasil liberou R$ 4 bilhões para metrôs, em obras da Odebrecht na Venezuela, quando o governo brasileiro estava com o PT. Executivos da Odebrecht confessaram em delação premiada da Operação Lava Jato que Nicolás Maduro recebeu 35 milhões de dólares de propina da empresa. Ah, mas acho que vão dizer que foi "lawfare".


Cuba também ganhou o Porto de Mariel. É possível que tenha existido outro tipo de financiamentos anteriormente, quando a esquerda brasileira estava na oposição. Sempre questionei a suspeita vassalagem de Lula e seu partido a Fidel Castro, por exemplo. Como se diz no popular, uma mão lava a outra.


Entretanto, a troca de favores vai além da questão financeira. O fator político se sobrepõe, até porque nesta área o sucesso garante a chave dos cofres públicos. E o apoio mútuo também faz deixar para trás as diferenças pessoais. Na Argentina, por exemplo, o presidente Alberto Fernández está brigado com sua vice. Mal se falam. Mas Fernández saiu a defendê-la de pronto. O governo argentino já está colocado também na reação ao Judiciário e aos promotores. É o que dá a entender também no caso do governo brasileiro, numa projeção para breve, com a rápida entrada de Lula em defesa da inocência de Cristina Kirchner.


A acusação feita por Lula ao Judiciário de um país estrangeiro é grave, afinal faltam poucos dias para sua posse. Na prática, é uma fala oficial. As mensagens acusando a condenação da vice-presidente argentina como um processo de “lawfare” apontam o que vem por aí nesta aliança continental que será fortalecida com a volta do PT ao poder. Com certeza, o projeto político não contempla a transparência e o respeito à independência entre os poderes — nem entre um país e outro. Muito menos o estímulo à luta contra a corrupção no continente.

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Por José Pires