O
jornal espanhol El Mundo trouxe neste domingo uma excelente reportagem sobre a
morte do guerrilheiro Che Guevara, em outubro de 1967. Guevara foi morto na
Bolívia, depois de capturado pelo exército boliviano. O jornal localizou afinal
o homem que matou o guerrilheiro. Ele é Mario Terán, cujo nome já era
conhecido, mas que nunca havia dado as caras depois dos tiros que deram início
a uma lenda. A reportagem assinada pelos jornalistas Ildefonso Olmedo e Juan
José Toro dá aquela satisfação que infelizmente ficou no passado, de um
jornalismo instigante, criativo, que resgata qualidades abandonadas nesses
tempos em que é sempre muito raro encontrar algo que presta na imprensa.
A
partir do encontro com o executor de Guevara, hoje com 72 anos e vivendo numa
casinha muito simples em Santa Cruz de la Sierra, os jornalistas fazem um
relato em que concentram fatos importantes em torno da morte do guerrilheiro
que saíra de Cuba para fazer uma revolução na Bolívia. Eles não arrancam de
Mario Terán a confirmação de que é ele o militar que deu os tiros fatais. Mas
ficou até melhor assim. Eles envolvem o homem em fatos, contando sua trajetória
pessoal desde a execução que deu a um simples sargento boliviano uma dimensão
histórica. É um texto inspiradíssimo. E afinal o homem que ficou desaparecido
durante décadas acaba fazendo sua confissão numa situação aparentemente banal.
Os
repórteres levaram a única foto conhecida do sargento que matou Guevara. É uma
imagem da época em que ele deus os tiros. No meio da conversa eles mostram a
foto para Terán e perguntam se aquela pessoa é ele. E então ele confirma. É uma
foto feita por Michèle Ray, jornalista do Paris Match. Na época da morte de
Guevara a imagem correu o mundo, mas pelo jeito nunca havia chegado na casinha
de Terán.
O
capitão Gary Prado, que ficou famoso como o homem que prendeu o Che, foi quem
aconselhou há muitos anos Terán a desaparecer, para evitar uma vingança. E em
volta da morte do guerrilheiro existe um monte de histórias que são vistas como
prova do azar que vitimou vários dos envolvidos. O próprio Prado, que hoje é
general reformado e vive também em Santa Cruz de la Sierra, acabou numa cadeira
de rodas depois de ter sido atingido na coluna vertebral por uma bala perdida,
em 1981. Algumas pessoas foram mortas em ações de vingança, outras sofreram
estranhos acidentes. O presidente Barrientos, que deu a ordem de execução,
morreu quando caiu o helicóptero em que viajava. É claro que persiste até hoje
a suspeita de ter sido um atentado. Honorato Rojas, o camponês que levou os
militares até os guerrilheiros e por isso ganhou uma fazenda, acabou sendo
morto com vários tiros na cabeça depois de ter sua propriedade invadida anos
depois. O superior imediato do próprio Terán morreu decapitado em um grave
acidente de trânsito. Roberto Quintanilla, militar boliviano que havia
inclusive proposto que cortassem a cabeça do guerilheiro, foi morto a tiros por
uma mulher quando era cônsul da Bolívia em Hamburgo. No bolso do cadáver ela
deixou um bilhete: “Victoria o muerte!”.
Enfim,
não faltavam motivos para Terán esconder-se durante tanto tempo, mesmo não
tendo sido tanta a sua importância nos combates e captura de Guevara. Ele nem
seria mencionado hoje em dia se não tivesse dado os tiros fatais. A ordem da
execução veio de cima, da capital La Paz, em nome do presidente René
Barrientos. A decretação da morte do guerrilheiro chegou em código; “Saluden a
papá”.
A
aventura de Guevara, na Bolívia, foi sua derradeira ação equivocada. O mito
criado depois de sua morte ajudou a encobrir os tremendos erros do
guerrilheiro, que do ponto de vista militar cometeu tantos absurdos que só por
desconhecimento ou má-fé alguém pode admirá-lo como guerreiro. Tirando Cuba,
ele e Fidel Castro não acertaram uma. Um plano exemplar dos dois é Che Guevara
chegando em 1965 ao Congo para comandar uma revolução, porém sem sequer saber
nenhum idioma local. A desastrada luta armada no Brasil também veio de Cuba,
onde grupos foram treinados e receberam instrução ideológica. E quanto à
Bolívia, uma história escrita pelo grande escritor cubano Guillermo Cabrera
Infante sintetiza bem o tamanho do erro. Em 1967, quando soube qual era a
localização geográfica em que Guevara fora surpreendido, o escritor Mário
Vargas Llosa, que havia morado muitos anos na Bolívia, disse o seguinte: “Não
há alternativa, ou ele se deixa capturar ou morre. Está sem saída. O que ele
fez foi suicídio”.
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POR José Pires