quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Um adeus de muitos significados

Capa da revista "Les Inrockuptibles". O trocadilho é muito bom e não precisa traduzir: é a mesma coisa na nossa língua, apesar de que no Brasil é muito raro que haja 'inrockptíveis". Por aqui até o rock é dominado pelos bananas. E não é raro que haja um petralha na banda pegando por fora uns capilés do governo. Que país é este, ó céus, em que até a rebeldia é instrumentalizada. Mas voltando à "Les Inrockuptibles", a capa sobre Lou Reed é perfeita. Acertaram até no uso do preto e branco, que é o tom deste ótimo artista. A publicação semanal é francesa e é realmente uma revista de cultura. Nada dessa farsa comum no Brasil de dizer que algo é de "cultura", quando de fato é só entretenimento.

"Les Inrockptibles" publica 14 páginas com o falecido músico americano. Trazem também uma longa entrevista, feita em 1996. Lá no meio, citações do dramaturgo Eugene O'neill, Van Gogh, Shakespeare... Roqueiro brasileiro iria sentir-se desenturmado. Lou Reed não merece o uso de lugar comum, mas sua morte traz a impressão angustiante de que os verdadeiros artistas estão acabando.Independente da avaliação que se tenha do que ele fez é admirável sua integridade artística, vida e obra sendo tocadas de forma integrada. É dessa unidade existencial que estou falando quando lamento a extinção gradativa dos verdadeiros artistas. E vale destacar que Lou Reed era do rock, uma forma musical que sem esta integridade não faz sentido levar a sério. É o problema do rock brasileiro e essas levadas de garotos bobocas inventando sentimentos e dores que existem apenas em suas letras simplórias. É claro que não estou querendo que se quebre a cara para fazer arte, mas é preciso haver ao menos aquele mínimo de verdade que caracteriza um bom produto cultural. E para ser arte é claro que a integridade obrigatoriamente deve prevalecer.

Me lembro do meu desgosto olhando a moçada sacolejando o esqueleto ao som de rockinhos bobos na época ditadura militar. O país naquela barra pesada política e existencial e aquele negócio idiota de "me deixa de quatro no ato" e outras bobajadas. Conheci o trabalho de Lou Reed mais ou menos nessa época e achava muito estranho que essas coisas feitas no Brasil fossem classificadas como rock. Mas não é que tudo piorou? Já estamos num ponto que logo vamos ler textos de críticos pontificando sobre o rock dos anos 80 como "clássicos" da nossa cultura. Se é que já não estão escrevendo isso.

É por isso também que a morte de alguém como Lou Reed dói. Nem sou muito ligado especificamente em rock, mas ouço artistas como ele, o que foi facilitado pela internet. Tenho baixado aqui comigo o que ele fez de mais importante. Músicos de qualidade em qualquer área sempre foram isolados da cultura brasileira. A salvação é a internet, que permite que procuremos cultura nós mesmos, sem a dependência de cadernos (e atualmente os sites) que de cultural hoje em dia tem quase nada.

Vivemos por aqui um clima de fim de mundo na cultura, sem publicações da área (não temos hoje nenhuma revista de cultura) e com o setor dominado pelos tais "incentivos culturais". Nesta cultura estatal o foco criativo essencial é o de inventar um argumento técnico para arrumar um bom financiamento do Estado e aí então criar algum produto para justificar a grana. A intenção parece que foi a de fortalecer a arte, mas o efeito tem sido o contrário. Aqui no Brasil o Lou Reed já morreu há muito tempo atrás.
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Por José Pires

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