terça-feira, 22 de setembro de 2015

Um papa fácil demais

As movimentações do papa Francisco e suas falas políticas nos lugares para onde viaja são de qualidade tão duvidosa que para botar fé no que ele vem fazendo seria preciso acreditar que existe um bom plano por detrás de tantos equívocos, algo que talvez seja revelado mais adiante, naquelas leituras históricas que décadas depois costumam trazer uma luz sobre o que os homens fazem na terra. Faço piada, é claro. Numa leitura contemporânea já dá para ver que quase tudo é fora de propósito, mesmo quando é bem escolhido o tema da discussão proposta pelo papa e a visita religiosa e diplomática ocorre no momento adequado.
É o caso dessa visita a Cuba. A ocasião é apropriada, mas depois da passagem de Francisco pela ilha governada há mais de 50 anos por um regime comunista ficou a dúvida sobre o que realmente ele foi fazer lá. Na prática, o regime dos irmãos Castro levou mais vantagem do que o necessário fortalecimento da abertura democrática naquele país. O papa Francisco foi desleal com a oposição democrática na ilha e muito mais com seus próprios irmãos católicos cubanos, que nunca tiveram o respeito do regime castrista. E me parece que nem com os católicos de todo o mundo ele teve a devida lealdade em firmar com palavras e gestos convincentes um compromisso da Igreja Católica com a democracia ou no mínimo apontar com a devida razão histórica desrespeitos à liberdade que ainda afligem os cubanos.
Em suas primeiras quatro décadas o regime cubano teve na Igreja Católica local um dos alvos preferenciais de controle. Em anos anteriores a repressão religiosa foi pesada, até que Fidel Castro percebeu o equívoco que trazia graves danos à imagem de seu governo e procurou consertar, aproveitando de forma matreira para estreitar a aliança oficiosa com a linha católica da teologia da libertação, que de dentro da igreja já vinha trabalhando com uma linguagem de esquerda junto à população de vários países latino-americanos. Um dos gestos mais errados do papa Francisco nessa viagem foi ter um encontro com Fidel Castro. Oficialmente não havia razão para isso, muito menos para que o próprio pontífice fosse até ao ditador, digamos assim, licenciado por problemas de idade.
O papa Francisco fez algo parecido ao beija-mão com Fidel Castro, que tornou-se uma liturgia de políticos esquerdistas estrangeiros na ilha. Lula, Dilma, Correia, Morales e Maduro fazem isso com naturalidade, mas o papa precisava entrar nessa? O próprio porta-voz do Vaticano disse que a reunião foi "muito relaxada, fraternal e amigável". É demais, não? Um dos presentes recebidos por ele do ditador licenciado pela idade foi um livro conhecido do brasileiro Frei Betto, "Fidel e a religião", obra de 1985 com uma ampla entrevista do ditador sobre o tema. Apesar de assinado por Frei Betto, o livro é mais um documento político do próprio Fidel Castro em que ele dá uma cuidadosa guaribada na sua imagem política, para acomodar-se taticamente a novos tempos na política mundial. Essa nova posição de Fidel Castro surgiu até com certa demora, mas entende-se que estivesse até então fora da sua pauta o respeito à religião alheia, já que até a década de 80 Cuba vivia sob a dependência econômica praticamente total de um outro país oficialmente ateu, a União Soviética, cujo regime nessa década demoliu-se internamente. Sem o ouro de Moscou, até a mão de Deus podia ajudar nos problemas que, na sua esperteza, o ditador sabia que viriam.
É certo que o papa Francisco já leu e talvez deva até ter estudado com atenção (se não o fez, devia) a conversa entre Frei Betto e Fidel Castro. Se possível, com todas as implicações externas ao conteúdo do livro e a relação direta com sua religião. Ele deve ter também o conhecimento do sofrimento dos católicos com a esquerda em vários países do mundo, inclusive em lugares onde o comunismo não predominou. Onde houve o comunismo, como foi o caso de Cuba, aí então a barra era pesada para quem quisesse praticar a religião. São fatos. Nada disso tem a ver com qualquer posição conservadora, muito menos no aspecto religioso, pois nem católico sou. É uma questão de acenos e atitudes práticas com o objetivo de fortalecer a democracia e o respeito à liberdade. O gesto é esperado de qualquer homem de boa vontade e nisso esse papa tem decepcionado bastante.
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POR José Pires

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Imagem- A foto foi feita e distribuida internacionalmente pelo próprio regime cubano

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