segunda-feira, 17 de abril de 2017

A propina como rotina de vida

Uma das coisas que impressiona nos depoimentos da cúpula da Construtora Odebrecht é a naturalidade com que se fala de pagamentos de propina e de caixa 2. A empresa era uma caixa-forte. Os bilhões à disposição fizeram da distribuição de dinheiro um ato administrativo da maior naturalidade. Assim que Emilio Odebrecht fica sabendo pelo Lula do empreendedorismo de seu caçula, Luleco, de imediato abre vasto financiamento ao talentoso empresário do emergente setor do futebol americano. O empreiteiro manda bancar a preparação de Luleco, dá assessoria pessoal com dicas do mundo empresarial, fornece estrutura e suporte publicitário e ainda banca tudo na criação e desenvolvimento da empresa. Entre outros serviços, Lula recebeu mais este favorzinho diretamente do dono da empresa. E a relação com propinas milionárias de propinas era tão comum que no depoimento como delator, o pai de Marcelo Odebrecht está à vontade, falando de corrupção como uma atividade de rotina administrativa.

O Departamento de Operações Estruturadas, setor criado na Odebrecht para propinas, funcionava regularmente, muito bem azeitado com verdinhas. Milhões estavam em disponibilidade tanto para caprichos pessoais, como um sítio de surpresa para Lula no final do segundo mandato, como também para negociatas intercontinentais na África. Sobrava dinheiro também para falcatruas eleitorais, como a compra de dossiês. E dava-se um jeito de atender agrados ao time do coração de Lula, como foi a construção do Itaquerão. Nesse ritmo, mesadas eram como se fossem trocados, dinheiro de pinga. O chamado Frei Chico, irmão de Lula que foi seu mestre político no início da vida sindical, tinha a dele, inclusive com direito a aumento. Até o ex-deputado e mensaleiro condenado, José Genoino, teve a mesada dele, além de tudo voluntária da parte da empresa, conforme contou em depoimento como delator o diretor Alexandrino Alencar. Ou seja, na Odebrecht a grana saía sem nem precisar pedir.

É claro que tamanho numerário, disponível em tal clima de facilidades, havia de despertar cobiças internas, com o risco de desvios dos próprios administradores da propina. E isso aconteceu de fato. Era até pra ser engraçado, se no fundo, como acontece com qualquer corrupção, tudo não ficasse na nossa conta. A Odebrecht foi vítima de gatunos na própria fonte da ladroagem contra o país. Marcelo Odebrecht revelou que perderam o controle do esquema e que houve roubo interno no departamento da propina. O valor desviado internamente não foi revelado. Mas é claro que essa corrupção dentro da corrupção só ocorreu por uma inacreditável falta de percepção dos chefões da Odebrecht. Ora, eles tinham a obrigação de saber que hoje em dia não dá para confiar em ninguém.
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POR José Pires

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