domingo, 1 de novembro de 2020

Donald Trump: a voz do dono e o dono da voz

Se for confirmado o que dizem as pesquisas, com Donald Trump sendo obrigado a desocupar a Casa Branca para a entrada de Joe Biden e Kamala Harris, os Estados Unidos deixam de ter no comando uma figura que tornou-se uma das marcas mais poderosas de sua história. Que outro presidente recente pode ser identificado de imediato por um recorte da sua boca, como fez esta semana o New York Times Magazine com esta página dupla de uma matéria que avisa que, perdendo ou ganhando, Trump engoliu o Partido Republicano? Cada ação desse presidente, o jeito de andar, o perfil do rosto e de todo o corpo, seus gestual mesmo nas pequenas coisa, toda sua imagem se configura em uma marca política poderosa, goste-se ou não do conteúdo.

 

A página de abertura da matéria de capa do New York Times Magazine é perfeita em todos os sentidos de sua concepção, sintetizando graficamente o conteúdo que vem a seguir e envolvendo todo o sentido da permanência de Trump até agora não só nos Estados Unidos, como também nas consequências para o mundo todo. A sigla GOP é uma identificação histórica do Partido Republicano e claro que foi criado um jogo de palavras, de acordo com o que a publicação transmite na reportagem.

 

A boca do presidente americano recortada com uma tesoura em uma foto de uma revista qualquer faz alusão à uma mensagem anônima, dessas que quase sempre servem como pressão ou são difamatórias, que podem ser usadas também para uma chantagem agressiva, um aviso de seqüestro, sempre algo de muito impacto e raramente bem vindo, exatamente como os fake news de Trump, que ele tornou uma poderosa ferramenta política da atualidade.

 

O que já é uma realidade é que Trump sequestrou o Partido Republicano, desde sua primeira eleição quando se impôs como candidato — peitando até a família Bush e outros maiorais da sigla —, mantendo a máquina partidária sob seu firme comando até agora, com um poder que dificilmente os dirigentes poderão tirar de suas mãos pelo menos no médio prazo porque ele teve a esperteza de não permitir que durante seu mandato qualquer outro político do partido alcançasse algum destaque. Mesmo que Trump perca a eleição, o Partido Republicano só ganha a liberdade se ele decidir fundar sua própria sigla.

 

Trump é uma marca muito forte, que definiu-se inclusive no aspecto gráfico, de forma natural e  muito bem trabalhada por ele, com o perfil da sua cabeça fácil de reconhecer à primeira vista e os detalhes dos olhos e da boca muito marcantes, possíveis de serem identificados de imediato mesmo quando isolados. Até a cor alaranjada do seu bronzeamento artificial ajuda a manter o contato com o público alvo, bombardeado o tempo todo até aceitar mesmo o que é de muito mau gosto. E a boca não sustenta sua marca política apenas em razão do formato peculiar, mas pela função de comunicação do órgão, usado por Trump o tempo todo para manter-se agressivamente na mídia.

 

A permanência de Trump na cena política não parece depender de uma vitória ou a derrota, sendo muito claro que em qualquer dos casos dificilmente os Estados Unidos não sofrerão uma divisão política muito complicada de ser administrada. E estando no poder ou na oposição, não se tem dúvida alguma de que Trump não vai fazer questão de contribuir para que se estabeleça um mínimo de harmonia entre os americanos. Ao contrário, a tendência é que mantenha-se o mesmo, estimulando conflitos ou mesmo criando alguns onde eles ainda não existam. Se tem algo que Trump não sabe fazer e também não tem nenhum interesse em colocar em prática é a organização política com um foco no entendimento coletivo e democrático entre as pessoas.

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POR‌ ‌José‌ ‌Pires‌


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