domingo, 23 de setembro de 2018

Chefões e consiglieris, nos filmes e na política

É uma eleição cabulosa, em todos os sentidos, esta que o eleitor brasileiro está quase literalmente tendo que enfrentar. No geral, não é fácil encarar as opções apresentadas, por isso é necessário muita atenção na decisão do voto, com preocupação até com questões básicas, nesta realidade de uma bizarrice espantosa que virou a política brasileira, onde já faz tempo que até a honestidade tornou-se um atributo especial.

E atualmente também a boa educação virou um requisito essencial na escolha do candidato. Eu sei que é absurdo considerar essa qualidade para votar em alguém, mas no país em que já existe o despropósito da honestidade ser tão rara que acabou fazendo parte inclusive da propaganda de candidatos, agora temos que observar se o candidato respeita o próximo, se ele aceita ou ao menos ouve críticas e até se não dá um tapão ou atiça seus seguidores ao ataque feroz nas redes sociais.

Este desrespeito pode ser avaliado até como uma condição técnica, em candidatos que atropelam a fala de entrevistadores em programas de entrevistas, com a falta de respeito até ao ritmo de um diálogo jornalístico, no qual não cabem longas exposições em formato de palestra, nem muito menos o lero-lero para escapar do questionamento. O falatório destrambelhado como escapatória é um insulto ao eleitor.

Numa sociedade com razoável equilíbrio seria desnecessário apontar como absoluta má qualidade jogadinhas bobas, como alegar de forma negativa a condição política ou financeira do veículo no qual está sendo entrevistado — pois então caberia perguntar por que o espertalhão está lá — e até da vida pessoal do jornalista. E cabe acentuar que não vale xingar em palanques, afrontar jornalistas e eleitores, desrespeitar a relação interpessoal com colegas parlamentares, tratar mal pessoas que estão fazendo seu trabalho, tudo isso deve ser avaliado como uma baciada de péssimas qualidades.

O mau comportamento pode até parecer relativamente inofensivo diante de tantas barbaridades na política, podendo inclusive ser tido como expressão de grande habilidade mental do mal educado, mas não é bem assim. Bolsonaro, Haddad e Ciro Gomes fazem isso o tempo todo, mas não é por terem mais qualidade retórica. Essa jogadinha boba qualquer um faz. É certeza que Alckmin, Amoêdo e Marina, além de Alvaro Dias, todos os quatro tem até muito mais habilidade retórica do que os já citados. É por terem senso de responsabilidade que eles não entram nesse esquema cretino de usar acusações para fugir do assunto. O certos políticos costumam fazer não tem mérito algum. Ao contrário, é um abuso contra regras básicas do diálogo, cujo ritmo num trabalho profissional cabe ao entrevistador e não ao entrevistado.

A fuga ao assunto, com jogadinhas que envolvem a vida do entrevistador e a situação dos veículos jornalísticos é um sinal de sérias dificuldades psicológicas para encarar questões importantes. Sem dúvida nenhuma, isso vai ser pior depois, no futuro, caso o mal educado ganhe a eleição. Ao votar em alguém, não pense que o poder irá melhorar este político. Eles pioram. E está aí o Lula e uma porção de companheiros dele que não me deixam mentir. Essa atitude de fuga do debate sério das questões nacionais e dos enroscos políticos de cada um permanecerão ativas no poder, com o agravante do desavergonhado dispor então da maquina governamental para impor sua vontade. O brasileiro deveria saber como isso funciona. Lula e seu partido, como eu já disse, de forma calculada colocaram em prática essa pressão sobre a sociedade, procurando impedir o debate sobre seus erros e malfeitos.

Outra consequência do político apontar o dedo para os outros para não ter de comentar seus próprios defeitos é a influência sobre a opinião pública, efeito já em andamento a partir do comportamento dos candidatos em campanha. Isso contamina a visão dos eleitores, alterando o comportamento da população para um padrão violento e de desrespeito a opiniões contrárias. Já estamos vendo isso na balbúrdia das redes sociais e nas amizades rompidas pelo que deveria ficar restrito a uma simples discussão política.

Mas sigamos adiante. Não basta que o candidato seja bem educado e respeite regras básicas do diálogo. Em conjunto com a boa educação, cabe ao eleitor avaliar com rigor a real representatividade e independência pessoal do político. Alguns fingem muito bem. Um candidato pode ter o costume de ser educado nas relações, com a oportuna frieza para não alterar a voz nem se exaltar nos argumentos, mesmo em situação de clara provocação. Esse tipo suporta mesmo pegadinhas idiotas que hoje em dia são feitas absurdamente até por jornalistas. Existem especialistas para ajudar a desenvolver este desempenho.

Pode-se dizer que é a personalidade de “consiglieri”, aqueles assessores da máfia que faziam o papel de intermediários do interesse do chefão. Não é preciso ter um padrinho, mas alguns deles têm até isso. E quando acontece de um motivo de força maior exigir que o consiglieri tenha que atuar no papel principal, são os azares da história. Ou melhor, da História, com maiúscula.

Em “O poderoso chefão”, de Francis Ford Copolla, o papel de consiglieri é interpretado pelo ator Robert Duvall, numa atuação admirável. Ele é Tom Hagen, que além de secretariar diretamente os negócios mafiosos era quem levava a alguém uma decisão irrefutável encaminhada educadamente como uma oferta do padrinho, que na inesquecível performance de Marlon Brando, dizia que o consiglieri era o portador de uma proposta que a pessoa “não poderá recusar”. Parece com certo tipo de proposta que ouvimos hoje em dia, não é mesmo? Mas, no filme, um pedido feito de forma diplomática por Tom Hagen é repelido por um produtor de Hollywood, terminando numa cena memorável da história do cinema, quando ele acorda numa manhã ao lado da cabeça decepada de seu cavalo premiado. Sei que o símbolo é forte, mas não é muito mais escabroso do que certos projetos para o futuro do país.
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POR José Pires

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