O presidente Lula tem uma longa fama de ser um chefe implacável na humilhação de seus aliados de governo, mas o que ele fez com o vice Geraldo Alckmin nesta semana foi tão aviltante que até levanta a suspeita de que a relação dos dois não anda bem. Quando está no poder, o petista trata os comandados do mesmo jeito que faz no seu partido, às vezes com uma brutalidade que deixa fácil de entender que é ele quem manda.
Ah, sim: Lula só humilha quem se submete aos seus caprichos, por lealdade ou necessidade, como já ocorreu no passado com companheiros históricos de jornada, como o ex-ministro Cristovam Buarque (demitido por telefone), ou na demissão recente da ex-jogadora de vôlei Ana Moser, substituída pelo deputado André Fufuca, do PP do Maranhão, numa mera troca por votos entre os mais imorais deputados no Congresso. Neste segundo caso, por exemplo, a nomeação passando por cima da ex-atleta foi uma imposição do Centrão, que o petista teve que atender sem chiar.
Neste governo, Lula também expôs publicamente Simone Tebet e Marina Silva, colocando as duas, uma contra a outra, em disputa de cargos no governo. O posto de ministra do Meio Ambiente, que por merecimento técnico e político era de Marina, foi oferecido antes para Tebet, com a evidente intenção de submeter ambas a um confronto em que ficava estabelecida sua posição de chefe absoluto. Lula tinha que impor o seu “quem manda sou eu”, embora tenha sido fundamental o apoio de cada uma delas para a vitória eleitoral contra Jair Bolsonaro, que ainda assim foi por pouco.
Nesta semana, com o vice Geraldo Alckmin a atitude de Lula teve ares de golpe. Uma tremenda injustiça, diga-se, com alguém com disposição de ajudá-lo a “voltar à cena do crime”. Antes de se submeter a uma operação cirúrgica que vai impossibilitar que ele exerça integralmente o cargo por alguns dias, Lula mandou a esposa Janja em viagem ao Rio Grande do Sul para a primeira-dama acompanhar o apoio do governo federal ao governo gaúcho na recuperação de cidades atingidas pelo ciclone extratropical.
Foi um claro abuso ao direito constitucional do ex-tucano Alckmin, que tem o direito de substituir o titular em missões desse tipo, quando o presidente está fisicamente impossibilitado. Este é mais um disparate de Lula, mas não surpreende, ainda mais com a bolivarianização quase completa do petista depois de ganhar a eleição.
Na prática, desse jeito a entrada em cena de Janja quebra a linha sucessória. Além disso, em vez de indicar para os brasileiros uma relação de mútua confiança entre vice e titular, Lula acena exatamente o contrário: parece mais um caso da amarga inveja política do petista, que tem se manifestado bastante em situações internacionais, mas que não é incomum que aconteça nos acontecimentos por aqui, na nossa terra.
Lula estaria com temor do acolhimento político que Alckmin teria no Rio Grande do Sul, com um destaque nacional na imagem de um político com espírito de solidariedade e sentimento humanístico? Foi isso que faltou a Lula, que demorou demais para dar uma posição plena de apoio de seu governo. O presidente não foi ao sul do país, assolado por chuvas e ventanias violentas, com o alagamento e destruição de moradias, prédios comerciais e industriais, causando também o arrasamento de plantações agrícolas e da criação de animais. O desprezo aos que sofrem lembra bastante a falta de empatia de Jair Bolsonaro.
Já chegava a 50 o número de mortes quando Lula mandou Janja para o Rio Grande do Sul em vez do processo se dar em um ritmo normal e justo, com Alckmin assumindo o cargo de presidente para cumprir a função legal que lhe cabe, na impossibilidade do titular atender a esta necessidade. Janja não chegou a passar nem o dia inteiro entre os gaúchos, além de que ela não tem capacidade técnica nem direito legal de desenvolver medidas de colaboração do governo federal para amenizar o sofrimento do povo gaúcho. Primeira-dama não é cargo público, nem tem função administrativa. Aliás, nem se sabe o que é exatamente isso.
Já a vice-presidência tem um papel constitucional muito claro. Que Lula desrespeita. Estará querendo criar sua Evita? Talvez até nisso ele experimente uma semelhança com Bolsonaro. Pode ser também que neste ponto ele tenha tomado consciência de que esteve iludido sobre a real força política de Alckmin. Já se contou muita lorota sobre a aliança que juntou Lula com Alckmin, inclusive a mais risível delas, com Lula no papel de estadista e democrata aberto ao esquecimento de antigas desavenças.
Mas a verdade é que a entrada do ex-tucano na chapa presidencial teve muito mais a ver com a retirada dele como candidato ao governo de São Paulo, para facilitar a vitória de Fernando Haddad. A falta de uma vitória no governo de São Paulo é um sério baque na auto-estima de Lula e de todo o seu partido, daí o arranjo especial no cenário político paulista, tirando do páreo além de Alckmin, outro candidato que parecia também muito forte, Márcio França, que no final perdeu até a eleição para senador.
E mesmo Alckmin não tinha esse poder decisório no voto dos paulistas, que a derrota do candidato de Lula demonstrou. O preço dessa aliança estadual acabou ficando caro, com o agravante de ter faltando o benefício que viria em troca, o que aumenta o desconforto do petista com seu vice. O esforço agora é o de não abrir espaço para uma exposição pública positiva de Alckmin, ainda mais com a dificuldade do chefão petista em conquistar simpatia fora do seu círculo político e eleitoral, o chamado eleitor lulopetista, que comprovadamente não dá segurança para derrotar nem adversários asquerosos como o presidente anterior.
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Por José Pires
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