quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

A quarta-feira, 13, da aprovação de Flávio Dino e da desmoralização do Senado

A aprovação na CCJ do nome do ministro Flávio Dino para o STF revela a completa degeneração de mais esta tarefa constitucional do Senado. As sabatinas são inúteis, mesmo como referência do cumprimento das negociações de bastidores. Para garantir publicamente o apoio bastaria que dessem tiros para cima, apontassem o dedo do meio para os brasileiros, coisas assim. Ficaria muito claro que foi o acordo cumprido, sem ter que encenar uma sabatina.


O símbolo do terror e da desesperança ficou marcado pela lembrança fixada pelo cinema como a sexta-feira, 13. Ontem tivemos algo pior: a quarta-feira, 13. Não vai faltar nem a motosserra, que já vem decepando a liberdade de expressão, o direito à manifestação política e outras questões fundamentais de uma democracia e até mesmo do direito mais simples de viver sem que um togado resolva colocar alguém na cadeia com uma simples canetada só porque não gostou de ler algo nas redes sociais.


Já ficou cansativo raciocinar sobre o buraco em que o nosso Brasil foi enfiado, nessa enrascada histórica que teve seu ponto básico com a soltura de Lula da cadeia, praticamente uma anistia em que o STF teve que voltar atrás em uma decisão que já havia firmado e que é seguida em todos os países do mundo: a de que é na segunda instância que criminoso deve ser trancafiado. Por isso, vou dar um exemplo simples do estado a que chegamos: pense no respeito que você teria por um país em que o presidente, seguidamente em menos de seis meses colocou no Supremo primeiro um advogado pessoal e depois seu ministro da Justiça.


É difícil não ver com desagrado e até rir desse grotesco país imaginário, não é mesmo? Lembra uma Venezuela, uma Nicarágua ou uma dessas ditaduras africanas onde Lula costuma fazer suas empreitadas, só que num estilo bem brasileiro, na cordialidade do estamento burocrático costurado sem violência explícita. Nem se Raymundo Faoro ou Sérgio Buarque de Holanda fossem ficcionistas poderiam pensar que o enredo histórico chegaria a um ponto tão doloroso.


A dura realidade é que no exterior é desse modo que observam o nosso país. Dá até vergonha de ser brasileiro, mas a ressaca moral resulta também em prejuízo material, porque esta imagem é determinante para que investimentos venham de fora, sem os quais não haverá o conserto necessário em nossa economia. 


Fala-se bastante na intromissão dos poderes da República, um no outro, numa brigalhada que desestabiliza politicamente o país e faz desmoronar a confiança jurídica essencial para negócios de qualidade e o financiamentos fundamentais para a nossa economia. Pois o espetáculo desta quarta-feira mostrou que na verdade o que existe é apenas uma arrumação que envolve interesses deste ou daquele juiz ou político, com as articulações entre os Poderes baseadas especificamente em cargos e dinheiro.


O centro desse jogo de interesses é obviamente o STF, pelo que os onze podem oferecer como garantia da abertura o fechamento de grades de cela, se estendendo por todo o sistema jurídico do país ainda que tenha um comando firme neste poder mais acima. E tem também aqueles tais “contrapesos” de que falam tanto. Neste caso, o Executivo tem as verbas, cargos e o Legislativo atua com a chantagem de que os parlamentares podem cumprir suas obrigações, o que todo mundo sabe que não farão nunca, mas não deixa de ser uma moeda de troca que dá resultado.


Gilmar Mendes vem sendo explícito sobre como essas coisas acontecem. Escudado na confiança de um poder inatingível, há dois meses o ministro do STF disse em uma das viagens nababescas dos togados, desta vez em Paris, que muitos políticos, incluindo o presidente Lula, não estariam onde estão hoje se não fosse o STF. Ele já disse coisa parecida outras vezes, com um tom que é também de alerta, na precaução natural em um ambiente que entre uma diversidade de benefícios pode-se trombar com alguns riscos.


Claro que dessa maçaroca de interesses vem como consequência a desesperança quase total de que possamos ter um país com algo parecido com a normalidade, ao menos podendo viver e trabalhar com os requisitos básicos de uma sociedade como tantas que existem em outros lugares. Não se cultiva mais nenhuma utopia entre os brasileiros. Estamos atolados na anomia, na inexistência de leis e regras, quase aceitando que o que resta é aderir ao método de Copacabana, criando grupos de cidadãos para descer o porrete, como andam fazendo na ex-princesinha do mar.


A sabatina desta quarta-feira, 13, com a aclamação senatorial do ministro do Lula, de forma prática simboliza uma derrocada. A desmoralização é tanta que pode ser demonstrada mesmo em argumentações feitas nesta sessão, levantadas, ao menos em tese, como se fossem atitudes qualificadas. Eu poderia citar várias falas de bolsonaristas justificando a contrariedade à indicação de Dino, mas fiquemos num exemplo: tentando atacar a falta de lisura do Senado, o senador Flávio Bolsonaro revelou que ele mesmo poderia ter sido ministro da Justiça, mas declinou da honra. 


O cargo foi oferecido pelo pai dele, então na presidência da República, mas com seu conhecido caráter ilibado, Flávio recusou-se a participar dessa absurda jogada. E atentem para algo importante na exposição pública da imoralidade que seu pai lhe propôs. No juízo de valor do senador está em foco apenas sua suposta decência em negar a proposta. Não passou por sua cabeça que no autoelogio ele acusa mais uma vigarice de seu pai.

 

E quem pode duvidar que o Senado aprovaria a indicação do filho de Jair Bolsonaro? As evidências desta quarta-feira, 13, e de outros dias mostram que sim. E que ninguém duvide também de que o destino ainda reserva algo parecido, na transformação do STF em uma instituição familiar, pois no poço enlameado em que chafurdam os nossos políticos abrem-se muitos mais oportunidades de afundar cada vez mais este nosso pobre Brasil.

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Por José Pires

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