segunda-feira, 3 de setembro de 2018

José Mujica, uma vida enrolada com ditadores e gatunos

O ex-presidente uruguaio José Mujica foi a Veneza para a estréia de um documentário sobre sua vida. O nome parece de filme de ficção: “El Pepe, uma vida suprema”. E o diretor não é Oliver Stone, autor de “Mi amigo Hugo”, nem Sean Penn, o ilustre ator americano que fez a última e mais simpática entrevista com o narcotraficante mexicano El Chapo e também é tiete do bolivarianismo. A direção também não é de Michael Moore, fraudulento documentarista e ladrão de título de livro. O filme sobre Mujica é do diretor sérvio Emir Kusturica.

Até o mês passado o ex-presidente uruguaio era senador. Renunciou alegando “cansaço”. E não é pra menos. Está com 83 anos. É mesmo um bom momento de falar em legado, mas duvido que o filme traga de fato a verdade sobre sua real dimensão na América Latina e também não acredito que esteja bem contada sua história, que corre em paralelo a grupos de esquerda em vários países latino-americanos, especialmente os que fazem fronteira com o Uruguai, onde desgraçadamente nos anos 60 e 70 esquerdistas optaram pela luta armada. Lá, como cá, serviu apenas para fortalecer ainda mais governos militares de direita. No caso de Mujica, tem até mesmo o agravante do grupo do qual ele fez parte — os Tupamaros, que agiu de 1960 até 1972 — ter iniciado a guerrilha em um país com democracia. Acabaram criando o clima para os militares ocuparem o poder.

Mujica é uma das figuras políticas mais superestimadas atualmente deste nosso continente, uma hipervalorização que ocorreu em conjunto com um, digamos, boom esquerdista continental que afetou certos países de importância estratégica mundial, como no Brasil, na Venezuela, na Argentina, com a eleição de políticos de esquerda. O assombroso crescimento da esquerda ocorreu também em países menores, caso de Bolívia e Chile, o que atraiu a atenção do mundo para a América Latina, com uma forte influência daquela visão romântica que surpreendentemente ainda é dominante no estrangeiro, especialmente na Europa, da idealização de uma esquerda redentora da igualdade e da liberdade.

Nenhum desses governos deu certo, com cada um dos chefões esquerdistas deixando em cada país o que só é possível chamar de rescaldo: economias destruídas e a imoralidade instituída como política de Estado. Mujica salva-se por não ser ladrão, mas complica-se historicamente pela sua cumplicidade com políticos ladrões e assassinos, de Fidel Castro e seu irmão Raul, passando por Hugo Chávez e seu pupilo Maduro, até Lula, Dilma Rousseff e o criminoso mais recente, o sandinista Daniel Ortega, da Nicarágua. Até os dias de hoje Mujica vem cumprindo um papel de cúmplice de salafrários. Está sempre aparecendo ao lado de ladrões dos cofres públicos e também de assassinos, emprestando a eles sua imagem de esquerdista sem as marcas da crueldade e da gatunagem. É o que faz com Lula, agindo de forma suspeita em solidariedade a um político preso por corrupção pela Justiça brasileira, numa intromissão indevida em um país estrangeiro.

É óbvio que essa visão crítica estará fora do filme de Kusturica. Mujica ganhou nos últimos anos uma imagem de estadista comprometido com verdades humanísticas de valor filosófico, uma figura de expressivo valor ético, da simplicidade existencial e respeito a uma vida equilibrada. Para mim é tudo filosofia em compota, mas parece que funciona. Virou o bom velhinho da esquerda. O ar de songamonga ajudou bastante na sua lenda, imagem que a mim parece que foi favorecida pela banalidade dessa cultura atual de redes sociais, onde umas frases soltas no Facebook e um ou outro vídeo com alguém de ares simpáticos pode levar a pensar que ali está aquele que é o cara. Mujica aparece em alguns vídeos falando algumas coisas realmente interessantes, destacando a necessidade de maior respeito e atenção com os recursos de que a humanidade ainda dispõe. Soa como um Gandhi, ainda que barrigudo demais. O exagero é a partir de umas boas falas criar-se uma lenda. Mas a esquerda é assim.

Vídeos emocionantes não servem de fundamento para entender um político. E na avaliação de sua obra, de fato não há nenhuma grandiosidade em Mujica, nem mesmo na política de seu país. Nem é ele o presidente que colocou o Uruguai nos eixos, com um governo mais eficiente do que era a norma geral naquele país. Esse serviço foi feito por Tabaré Vasquez, que foi presidente de 2005 a 2010. Foi sucedido por Mujica e atualmente é novamente presidente, com mandato até 2020. Ambos são do mesmo partido. Como se vê, no aspecto do poder pessoal também o Uruguai mudou pouco. Em políticas públicas também não há muita coisa para se destacar, embora exista respeito ao dinheiro público e pela democracia. Como a esquerda do continente meteu-se em roubalheiras e no autoritarismo, são valores importantes.

O governo de Mujica deixou muita coisa por fazer, com muitas promessas em Educação e Saúde que não foram cumpridas. De seu período não há nenhuma grande marca política, a não ser a fama internacional de seu governo com a legalização da maconha, que por sinal não esta sendo fácil de Tabaré Vasquez administrar. Médico, ele sempre foi contra a legalização. Não dá para falar em grande legado político de Mujica. Tirando a fama alimentada pela esquerda internacional, ele foi um governante mediano e também não é um teórico respeitável. E ainda deixa a marca de sua atividade nos últimos tempos como uma espécie de animador de encenação de corrupto — como faz para o PT no Brasil, onde não deveria meter seu bico. Como eu já disse, outra nódoa, brutal e bem mais antiga, está na sua ligação histórica com o regime de Fidel Castro, da qual jamais fez qualquer autocrítica. E tem também a contribuição ao espalhamento do bolivarianismo de Hugo Chávez pela América Latina, com um empenho pessoal que mantém até hoje. No legado de José Mujica o que pesa mesmo é o rabo preso com muito lixo da História.
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POR José Pires

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