quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Claudio Kambé: um artista de alma sincera

O Cláudio Kambé foi uma das primeiras pessoas em que percebi aquela chama interna que avisa: eu sou um artista. Isso foi há bastante tempo, mais de trinta anos, quando começamos a trabalhar juntos no jornal Panorama, em Londrina, no norte do Paraná.

A experiência no jornal durou pouco, os cerca de seis meses da existência do projeto. Os jornalistas que tinham vindo de São Paulo para fazer a publicação diária tiveram um sério desentendimento com Paulo Pimentel, que era o dono da empresa, e todos voltaram para a capital paulista. Eu fui logo atrás, um mês ou dois meses depois, e o Kambé apareceu mais tarde na redação da Folha de S.Paulo, onde começou a desenhar, ele que é um daqueles raros desenhistas de imprensa que vai bem além de qualquer técnica de comunicação de massa. Ele traz em seu trabalho a tal chama do artista e isso dá uma diferença de qualidade para qualquer publicação.

Na Folha fez belas ilustrações, além de capas memoráveis para o antigo Folhetim, editado pelo Tarso de Castro, que logo que viu o Kambé teve a maior empatia com ele. Tarso tinha uma qualidade que me parece em falta hoje em dia nas redações (isso para ficar só na imprensa), que era a de ver no outro muito mais do que a relação profissional cotidiana. Alguns podem atacar de imediato como se isso fosse uma tola menção romântica, mas o efeito técnico de grande qualidade desse tipo de avaliação está comprovado nas publicações que o Tarso fez.

Essa visão humanística foi com certeza uma ferramenta essencial para o sucesso das publicações em que ele teve forte peso criativo, como O Pasquim, onde foi essencial, e em outras revoluções da nossa imprensa que saíram exclusivamente dele, como o Folhetim e a renovação da Folha Ilustrada, ambos da Folha de S. Paulo, quando este jornal brasileiro dava passos decisivos para sua modernização.

Nessa época Kambé ainda era o “Cambé”, o nome que tirou da cidade paranaense onde passou uma parte importante de sua vida. Foi só depois que trocou a consoante, sem que eu saiba o motivo.

Nessa época que vivemos com proximidade experiências profissionais em São Paulo, as relações políticas e profissionais no Brasil se estabeleciam de forma muito humana, com doses de respeito e generosidade que amenizavam o peso amargo da ditadura militar sobre o nosso cotidiano. A imprensa alternativa vivia sob censura e mesmo em redações como a da Folha a pressão interna era muito forte, com pessoas da própria empresa encarregadas de fazer a vigilância sobre o que se pretendia publicar.

Mas havia um ambiente humano de muita qualidade criado entre nós. E dava a impressão de que isso poderia florescer com a abertura democrática, mas infelizmente não foi o que aconteceu. Não tenho dúvida de que tínhamos ali um modelo de convivência e uma forma de produzir que poderia servir bastante ao país, mas me parece que não foi adiante.

Eu vivia em São Paulo aquele tempo, nunca morei no Rio, mas numa música do Dory Caimmy feita com o Paulo César Pinheiro eu ouço um eco daquilo que vi e gostei em São Paulo. É também um lamento pelo que se perdeu. Diz assim: “E o Rio com o passar do tempo/ de tanto sofrimento/ perdeu aquele jeito carinhoso de viver”.

Estou falando isso porque me chamou a atenção hoje uma declaração do Kambé ao Jornal de Londrina, que fez com ele uma reportagem. Lá, ele comenta sobre o ambiente que encontrou quando voltou à Folha de S.Paulo, ainda no início da década de 80. “Mas aí era outro conceito de trabalho e de amizade. Não quis ficar”, ele disse.

É muito parecido com a sensação que foi fazendo eu me afastar daquilo tudo, o que fiz muito mais tarde. O Kambé foi fazer suas pinturas, procurando morar em lugares afastados onde encontrasse a natureza e calor humano, numa busca de certa forma parecida com a do pintor francês Paul Gauguin. Eu permaneço próximo à imprensa e ao debate político, mas confesso que não faz bem para o estômago e nem à cabeça.

Esta fala do Kambé é importante também porque me liga ao que eu senti há mais de três décadas lá atrás, quando vi este amigo pela primeira vez. Foi este espírito humanístico, ainda bruto naqueles tempos, mas já com o amor pelo ser humano e também a dor com o tanto que fazem de mal com as pessoas neste país. E isto está presente em seus trabalhos de imprensa e também nas obras de arte que já fazia naqueles tempos e que hoje é sua atividade principal.

Para entender o Kambé pense no grande Van Gogh, mas não no sentido do estilo ou da forma, nada com a influência da pintura daquele mestre. O que se vê no Kambé é o espírito intenso do Van Gogh, que inspira amor pelo que somos e muita dor com o tanto que destruímos. É daí que sai a sua arte.
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POR José Pires

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Para ler a matéria do JL com o Claudio Kambé, clique aqui.

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