O jornal La Nación fez uma boa cobertura neste domingo sobre o desaparecimento do submarino ARA San Juan, tendo como centro uma reportagem de denúncia de irregularidades na compra de baterias do submarino. Há 12 dias o submarino desapareceu com 44 tripulantes nas águas do Atlântico. O jornal argentino diz que uma investigação do Ministério da Defesa já havia concluído que houve direcionamento na compra para beneficiar determinadas empresas e neste processo o serviço de reparos da embarcação militar acabou sendo de má qualidade. A investigação se desenvolveu entre 2015 e 2016. O jornal teve acesso exclusivo a documentos oficiais sobre o caso. Duas empresas são citadas como beneficiárias do negócio: Hawker Gmbh y Ferrostaal AG.
Esta investigação interna que chegou ao conhecimento do La Nación não foi a única que descobriu irregularidades das Forças Armadas na manutenção do ARA San Juan. Sobre esses problemas existem também informes da Unidade de Auditoria Interna do Ministério da Defesa. Outro órgão de controle, o SIGEN (Sindicatura General de la Nación), ligado diretamente à Presidência da República, também já detectara irregularidades, como a falta de rigor com os planos traçados para a execução material e orçamentária da obra, com atrasos de até 4 anos, o que no caso das baterias acarretou “a perda do período de garantia”. A falta de cuidado com os padrões afetou também os motores do submarino. A perda da garantia exigiu a contratação direta da mesma empresa para a execução da inspeção e verificação técnica. Segundo o SIGEN, esta obra teve quase um ano de atraso.
Claro que ainda não há nada conclusivo quanto ao efeito dessas graves irregularidades na causa do desaparecimento do ARA San Juan, mas de qualquer modo o drama do submarino argentino serviu como base para o La Nación traçar um amplo panorama da falência das Forças Armadas da Argentina, que desaba em paralelo ao desastre econômico, político e cultural que envolve os argentinos, não muito diferente do que ocorre nos outros países em volta, inclusive o nosso Brasil. A trágica situação dos argentinos foi resultado de violentas ditaduras de direita e governos civis populistas e corruptos, que desembocou no longo período em que o país ficou sob o domínio do kirchnerismo durante 12 anos, até a eleição de Maurício Macri, no final de 2015. O caso das baterias do submarino é do governo de Cristina Kirchner. A presidente fez um ato político em 2014 para comemorar o final dos reparos no submarino.
O jornal argentino traz bons artigos sobre o dramático desaparecimento da embarcação militar. Num deles, o secretário de redação Jorge Fernández Diaz traz à lembrança um episódio heróico de outro submarino — que alias teria recebido manutenção do mesmo modo irregular — o ARA San Luis, durante a chamada “Guerra das Malvinas”, entre junho e abril de 1981, quando militares argentinos tomaram as Ilhas Falklands, até hoje sob o governo do Reino Unido. O submarino foi alvo de um bombardeio britânico, escapando por centímetros de um torpedeamento. Após uma fuga habilidosa, apesar da péssima condição técnica da embarcação, os argentinos lançaram um torpedo contra a poderosa armada britânica. O projétil acertou o casco de um barco inimigo. E não explodiu. O relato serve pra mostrar a precariedade militar dos argentinos, que já era significativo naquele período, quando a ditadura militar lançou a Argentina numa das aventuras mais patéticas da história da América Latina. A derrota para o Reino Unido precipitou o fim do poder dos militares.
O sucateamento das Forças Armadas pode ser visto num gráfico comparativo publicado pelo La Nación, que coloca a Argentina em situação inferior na comparação com países da América Latina, mesmo todos não sendo grande coisa no aspecto militar. Os argentinos estão com um orçamento militar de apenas 0,8% do PIB, contra 2,3% do Chile, 1,4% da Venezuela, 1,2% do Paraguai e 1,3% do Brasil, cujas Forças Armadas sabe-se que também vão muito mal. Esta lamentável condição da defesa de importantes países da América Latina é ainda mais grave na situação atual do mundo, quando estão globalizados perigos gravíssimos como o avanço do crime organizado, o terrorismo e sérias disputas políticas e religiosas, junto à destruição ecológica e a carência de recursos naturais que colocam em risco o planeta.
Essa posição desvantajosa vem de uma mistura de governos militares de direita e governos populistas de esquerda, que se alimentaram mutuamente durante praticamente toda segunda metade do século 20. E ainda hoje existem forças políticas que acenam com a continuidade desse desastre, seja à esquerda ou à direita. O drama do ARA San Juan, que é apenas consequência do naufrágio geral da capacidade militar da Argentina, deveria servir de reflexão para todo o continente, para darmos fim ao insano hábito de tratar graves problemas com remédios que só pioram as condições dos nossos países.
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POR José Pires
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