quinta-feira, 16 de maio de 2019

O leitor da cara alheia

A dificuldade pessoal de Jair Bolsonaro para entender o básico fica muito clara com este encontro com o ex-presidente George W. Bush, nos Estados Unidos, quando depois ele passou aos jornalistas interpretações políticas da posição de Bush sobre questões atuais muito sérias da Venezuela e da Argentina, pelo que teria percebido no “semblante” do ex-presidente americano.

Suas palavras: “Eu não sou vidente, mas, pelo semblante, eu entendi que ele [Bush] tem preocupação não só com a Venezuela, bem como a questão da Argentina”.

Ora, parece que temos então uma novidade interessante. Bolsonaro, que evidentemente é um sujeito que não costuma abrir um livro, agora deu para “ler semblantes”? Não quero ficar pegando no pé do Olavo de Carvalho, mas isso parece dica de astrólogo.

Mas como não existe esse negócio de interpretar posicionamento político “pelo semblante”, fica como mais uma cretinice de Bolsonaro, além de ser uma leviandade imperdoável depois de uma audiência com qualquer pessoa, ainda mais se o encontro foi com um ex-presidente estrangeiro, que sempre representa institucionalmente o interesse de seu país.

Neste caso, a lição é muito simples, fácil talvez até mesmo para Bolsonaro. De um encontro com alguma autoridade só se deve ter como fato o que foi dito de forma muito clara. Senão fica parecido com aqueles biógrafos de má-qualidade que revelam até o que passava pela cabeça do biografado diante de situações dramáticas de sua vida, ocorridas há muito tempo. Trazer ao leitor insondáveis pensamentos de uma personalidade que já morreu é mais ou menos o mesmo que ver no semblante de alguém algo que ele não disse.

Aliás, se fosse possível ler algo no semblante de um político americano, nos Estados Unidos isso seria feito com muito mais habilidade pelos jornalistas de lá, onde por sinal o jornalismo sempre foi de grande qualidade. Imaginem a facilidade que isso não traria aos profissionais da mídia naquelas coletivas na Casa Branca. Pelo método do Bolsonaro bastaria ficar sentado observando bem o presidente e lendo no seu semblante o que não sai pela sua boca.
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POR José Pires

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