segunda-feira, 24 de outubro de 2022

Roberto Jefferson: uma história de tiros nos pés de aliados dos dois lados

A partir do episódio violento deste domingo, com os tiros dados por Roberto Jefferson contra policiais federais, bolsonaristas passaram a fazer nas redes sociais o velho jogo do “toma-que-o-filho-é-teu” tentando passar para o PT a responsabilidade política sobre o antigo cacique do PTB. Atualmente Jefferson é ex-presidente do PTB, mas de fato é ele quem manda no partido.


Afinal, o endoidecido petebista é coisa do PT ou de Bolsonaro? A responsabilidade da existência dele é dos dois lados que disputam este segundo turno, nesta história promíscua que envolve políticos que polarizam apenas na busca de votos. E não estou falando só de Lula e Bolsonaro. É todo um conjunto de espertalhões, que envolve até os que posam como avalistas de sentimentos democráticos que mal se sustentam na propaganda eleitoral ou nos fake news.


O ex-presidente e dono do PTB é um dos elos mais marcantes desse esquema que vem de antes da abertura democrática. Como personalidade é dos mais curiosos nesta trágica cronologia política que impede já há algum tempo que o nosso país avance para uma situação equilibrada, com os desacertos às vezes até muito bem arquitetados pela classe política, que virou um ambiente de ladrões sem a capacidade sequer de estabelecer a corrupção em níveis ao menos razoáveis, algo que já existiu antes nesta atividade e que dava ao país uma sensação de normalidade. Roubavam sem este caráter predatório atual, numa gula corrupta que começou a ficar sem controle a partir da eleição de Lula, ainda no primeiro mandato no governo.


O governo de Fernando Henrique Cardoso havia organizado razoavelmente a roubalheira instalada por José Sarney, depois desse lamentável oligarca ter virado presidente com a morte de Tancredo Neves. Era possível ter governabilidade sem fatiar todo o Governo Federal para dirigentes políticos incompetentes. Fernando Henrique tinha até uma técnica pessoal de controle, que aplicava sobre políticos que sabia que podiam meter a mão sem dó nos cofres públicos. Ele cedia cargos na composição do governo, mas colocava alguém de confiança próximo ao indicado, para evitar um exagero na apropriação dos bens públicos.


Além disso, não houve também a liberação ao aparelhamento do Estado, que evitava-se não por uma qualidade moral dos tucanos, mas porque Fernando Henrique, pelo conhecimento em lições estudadas ainda no tempo de professor da USP, já sabia que o domínio de grupos sobre a máquina administrativa inviabiliza qualquer governo. Houve um equilíbrio até acontecer as negociações para a emenda da reeleição, quando rompeu-se esta relativa harmonia entre o toma-lá-dá-cá e a governabilidade de fato.


Com Lula, esse equilíbrio desandou de vez, abalando até os valores percentuais exigidos por criminosos do colarinho branco, como pode-se ver nos subornos do mensalão e nos números ainda mais fantásticos da corrupção do petrolão. A partir do mensalão petista, ainda no primeiro mandato, o percentual em dinheiro exigido por políticos e o domínio sobre setores importantes do governo foi avançando de tal modo que essa lucratividade espúria foi criando complicações para aplicar a parte fundamental do orçamento público em obras e serviços. Depois, os corruptos se dedicaram à prospecção de mais dinheiro, com o petrolão.


Como a esquerda tem como premissa essencial a crença de que o fim justifica os meios, ainda no primeiro mandato foi criado o mensalão, como forma do governo do PT garantir o pleno controle sobre as votações no Congresso Nacional. Era para o bem do país, é claro. Afinal, este é o sentimento da esquerda, presente até nas tentativas de apagar crimes fenomenais na história de assassinatos e terror do chamado socialismo real, além da cumplicidade com ditaduras atuais que se beneficiam do imaginário religioso marxista, do qual a esquerda não se cura de modo algum.


É no mensalão que Roberto Jefferson teve um papel especial, quando denunciou o esquema de compra do Legislativo. Para quem não acredita em histórias se repetindo, Jefferson era uma espécie de Datena nos anos 1980, quando ficou famoso no programa "O Povo na TV". É onde o populismo costuma buscar vigor junto ao povo. Esqueça a tal da organicidade política da esquerda. Hoje em dia, de orgânico na esquerda só o arroz do MST, e olhe lá.


Jefferson virou político prestigiado, acabou se tornando dono do PTB, partido da base do governo Lula. A fama nacional veio em junho de 2005, com a denúncia do mensalão, feita por causa de desavenças em relação à propinas de campanha, que o então ministro da Casa Civil, José Dirceu, estaria dificultando que chegasse às suas mãos. Dirceu foi exonerado do cargo, depois foi preso.


O político alucinado que atirou na polícia neste domingo criou forças no governo do PT e anos depois foi acolhido por Bolsonaro, ocupando espaço na confusa ala ideológica do bolsonarismo, no que ajudou seu estridente discurso e a falta de limites, com a experiência antiga como apresentador de programa de baixaria na televisão. Esta relação entre Bolsonaro e Jefferson ainda está para ser melhor explicada, mas pelo que se viu nesses últimos anos, o petebista era peça fundamental nos planos frustrados de radicalização política do presidente. E parece que não foi avisado a tempo que o plano mudou.


Esta parte radical do bolsonarismo é uma grave atrapalhação para a reeleição de Bolsonaro, já tendo sido obviamente apontada pelos políticos profissionais do centrão. A péssima personalidade do presidente pouco ajuda nessas revisões. É o seu jeitão, como dizem a cada burrada dele. Bolsonaro não só não se desfez desses complicadores, como não teve a sensatez de monitorar os movimentos de tipos como Jefferson neste final de campanha.


O episódio dos tiros na polícia resultam desta desatenção a uma bomba que explode em má hora. Um acontecimento desses na última semana torna ainda mais imprevisível uma eleição sobre a qual já estava difícil opinar com segurança sobre seu resultado. A experiência em campanha torna óbvio que, pela sua personalidade conturbada, Jefferson é o escorpião da fábula. Foi um erro manter até agora este perigo mantido no cangote, mas até na fábula se nota pouca atenção crítica ao espírito do sapo.


Bolsonaro vinha obtendo sucesso na sua performance como um sujeito equilibrado, espantosamente exercendo o papel em entrevista e nos debates, dispensando até a ajuda de uma camisa de força. Claro que ajudou também o medo de Lula de se colocar frente a frente com ele. Entretanto, é óbvio que um apoiador de alto escalão dando tiro na polícia complica bastante. Não duvido que entre o círculo mais estreito de Bolsonaro haja muita lamentação. Já estava claro que se fosse possível ter contido a péssima personalidade do próprio Bolsonaro desde janeiro deste ano, teria sido grande a chance dele ganhar esta eleição, talvez ainda no primeiro turno. Os tiros podem atrapalhar bastante o conserto que parece que fava resultado.


Lula é um adversário que facilita as coisas nesta campanha para o bolsonarismo até num caso espantoso como este. Com qualquer outro oponente, já poderia ser cravado com certeza o resultado desse episódio violento na votação de Bolsonaro. Um adversário sem nenhuma relação com quem apertou o gatilho nem teria que acelerar na reta final para deixar Bolsonaro para trás. No entanto, as relações estreitas que existiram de Jefferson com Lula e seu partido mantém a incógnita sobre o efeito na eleição. Em razão disso, pode até não haver estrago a ser considerado.


Esta é a herança bendita do governo do PT para o bolsonarismo. O que aconteceu nos governos petistas foi escandaloso em proporção exagerada até em termos mundiais. A possibilidade de Lula ser eleito novamente é vexatório para nosso país. O que estabeleceu um vigor eleitoral para Bolsonaro é que com Lula como candidato dá até vergonha de ser brasileiro, o que digo sem nenhum sentido retórico: é mesmo humilhante. É provável que uma parcela considerável dos que vão votar em Lula fará isso apenas porque é demais reeleger um presidente imprestável como Bolsonaro.


Mas não é fácil tomar esta decisão, que pode ser em futuro próximo um peso na consciência. Os que justificam o apoio atual a Lula em nome da defesa da democracia brasileira devem estar descartando o enorme mal que Lula fez a esta mesma democracia, inclusive na criação das condições que deu vigor à direita, fazendo de tudo para o partido ir ao segundo turno com Bolsonaro, batendo pesado durante a campanha em candidatos democratas, com o chefão do PT errando em oferecer o poste Fernando Haddad, que tinha pouca chance de evitar a eleição de Bolsonaro em 2018.


São inúmeras as provas do legado de desgraças petistas. Fiquemos numa delas, exemplar do que o PT fez com o país. É tão absurda a cena dos R$ 51 milhões encontrados em 2017 pela Polícia Federal dentro de caixas e malas em um apartamento em Salvador de Geddel Vieira Lima, que o episódio parece algo que fica na lembrança como mais uma minissérie exagerada de tempos atrás. Nada disso. Aconteceu de fato, com uma figura política influente nas quatro eleições do PT e que teve poder durante os governos petistas. E nesta eleição, Geddel está plenamente atuante na campanha de Lula, ainda mais entusiasmado pela impunidade que se prevê caso o PT ganhe a eleição.


A verdade é que, numa nação séria, para um crime desses estaria garantida prisão até agora para o culpado. Condenado a 14 anos e 10 meses de prisão pelos crimes de lavagem de dinheiro e associação criminosa, Geddel foi preso em julho de 2017. No início de setembro de 2021 já estava no semiaberto, concedido pelo ministro Edson Fachin, o mesmo que — ora, que coincidência — livrou Lula da cadeia. Se Lula for eleito, é capaz de Geddel ainda ser condecorado com a Ordem do Rio Branco, ou qualquer outra “honraria” que quiser. E ainda que Bolsonaro seja reeleito, nada vai acontecer com ele e outros corruptos que deveriam estar presos, pois os arroubos lavajatistas do presidente e atual candidato acabam antes do Ano Novo.


Até agora, esta é a previsão garantida. Só vão ocorrer mudanças que garantam que nada terá que ser mudado a partir de janeiro do ano que vem.


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