Lula saiu correndo do Brasil logo que estourou o escândalo do vazamento das cenas gravadas durante o vandalismo de 8 de janeiro em Brasília, em vídeos que ele não queria que fosse assistido por muitos anos — ainda no começo de fevereiro, o presidente decretou o sigilo das gravações, contrariando o que bradava durante a campanha, nas críticas pesadas à ocultação de informações do governo de jair Bolsonaro.
O sigilo foi decretado em cima de um pedido da Folha de S. Paulo, pela Lei de Acesso à Informação, mostrando que essa é mais uma lei que, no notório ponto de vista do PT, só serve para os outros. Essa aversão à transparência sobre os acontecimentos também parecia estranha a quem se dizia vítima de tentativa de golpe. Mas logo que se deu o vazamento, divulgado pela CNN Brasil, ficou clara a razão de Lula querer que ninguém assistisse ao espetáculo.
Então Lula antecipou em um dia o embarque para Portugal, para a comemoração do 25 de abril, data da queda da ditadura salazarista naquele país. A presença do presidente brasileiro era tão vazia de sentido, que tiveram que correr para encontrar algo de peso para ele fazer por lá. Um político mais sério ficaria por aqui, já que o Brasil está penando com problemas gravíssimos, que exigem atenção exclusiva, mas todo mundo sabe que outro defeito parecido seu com o presidente anterior que ele gosta tanto de lembrar é o de bater perna.
Para preencher a agenda de Lula, o governo brasileiro teve que organizar assinaturas de acordos banais e até já em uso nos dois países, como a equivalência de estudos fundamental e médio ou a permissão da carteira de motorista brasileira em Portugal. São 13 acordos bilaterais, claro que com esse número, mágico para os petistas, que colocam propaganda eleitoral em tudo. Aí tem mais uma novidade internacional do Lula. O PT inventou um tal de “memorando de entendimento”, que é uma carta de intenção sobre algo a ser discutido ou acertado no futuro.
Sob aplausos, portugueses e brasileiros assinaram algumas dessas coisas, que lembram muito aquele meme do “é verdade esse bilete”. Um “memorando de entendimento” foi o das agências de cinema dos dois países, para coprodução audiovisual, um papo que, sejamos francos, podia ser feito por e-mail.
Noutras questões, muito mais práticas, Lula se incumbiu de arrumar mais confusão lá fora. Na fuga das complicações internas de seu governo, surgiu uma carrada de problemas. A mais grave é que o petista acabou firmando de vez a imagem de aliado de Vladimir Putin, na criminosa agressão à Ucrânia. A meu ver, estas falas abalaram ainda mais sua imagem em razão da forma como sua posição foi definida, com asneiras impressionantes — idiotices absolutas, mesmo analisando suas palavras nos próprios termos do que ele procurava defender ou nas explicações que agravam ainda mais o que já era barbaridade.
Lula parece que não entende que enquanto se ilude com a ideia de que que está fazendo bonito no exterior, o que ele diz é visto como uma papagaiada da propaganda russa e chinesa. A própria Casa Branca já disse isso, exatamente com este adjetivo. E quando talvez avisado por algum assessor, ele procura consertar o estrago, não só reafirma as asneiras como acrescenta algo mais. Nem o Twitter aguenta tanta mentira. A tentativa de dizer que não disse o que está devidamente registrado, acaba trazendo a repetição dos prints das asneiras, que mostram-se então ainda piores do que aquilo que estava na lembrança.
A presença do presidente brasileiro teve o repúdio de políticos de Portugal e manifestações da comunidade ucraniana, obviamente muito numerosa na atualidade em toda a Europa exatamente por causa da agressão militar da Rússia à Ucrânia, que forçou a fuga de milhares de pessoas buscando refúgio em vários países.
Esta é uma complicação da absurda posição do governo brasileiro: Lula vai encontrar em vários lugares refugiados que tiveram que abandonar suas casas, muitos deles próximos de gente que ainda luta contra os russos, pessoas desesperadas com a situação de amigos e parentes que podem ser mortos ou ficarem gravemente machucados durante esta guerra criminosa.
É claro que tudo que Lula falou durante sua desastrada passagem por Portugal foi parar nas mesas de autoridades dos Estados Unidos e da Europa. O problema é que além das opiniões que agridem autoridades americanas e européias no seu esforço em apoiar a Ucrânia, quando devidamente transcritas as palavras de Lula revelam uma retórica de vereador de cidade pequena, pela baixa qualidade na sua forma de falar e na expressão do que ele pensa.
Chega a ser engraçado, ainda que de humor negro para nós brasileiros: o mundo, que havia ficado perplexo com o discurso grotesco de Bolsonaro e até por isso procurou favorecer Lula para evitar sua reeleição, descobre afinal que neste país os eleitores apenas trocaram um imbecil por outro. Azar nosso. E não foi por falta de coisa muito menos pior que ambos no primeiro turno.
Lula vem tentando explicar do jeito dele as posições muito claramente favoráveis à Rússia de Vladimir Putin, que vinha expondo antes mesmo de ser eleito. O problema é que suas tentativas de manipulação se embananam no seu discurso tosco, de político de vocabulário reduzido e popularesco. Lula não é um Barack Obama, que comunica-se com plateias muito diferenciadas, simplificando ou sofisticando a linguagem conforme a necessidade, sem perder o estilo.
Além do mais, o mundo entendeu muito bem que o chefão petista se alinhou com os autocratas Xi Jinping e Putin, acusando os Estados Unidos, a União Européia e até a NATO de incitar a guerra. Para se redimir disso, teria de haver uma errata objetiva da parte de Lula. É necessário quase pedir desculpas, o que obviamente não vai ocorrer com alguém que até hoje culpa a Justiça por ter descoberto suas ilegalidades em vez de assumir que errou.
Então segue o turrão. Vai tentando enrolar autoridades estrangeiras, quase todos com uma formação pessoal muito superior à sua, além de contarem com assessoria mais capaz. Eu adoraria conhecer com detalhes a reação intelectual de uma figura como o presidente da França, Emmanuel Macron, ou de Joe Biden, ao lerem as palavras que saem da boca de Lula. Que delícia seria saber, por exemplo, da interpretação do texto lulista, no paralelo feito pelo petista entre Angela Merkel e o ditador Daniel Ortega, para justificar seus crimes na Nicarágua.
Mas nesta estadia em Portugal, nosso importante teórico político deixou uma carrada de textos para o estudo nos gabinetes da Europa e dos americanos. Valerá, com certeza, dar um crivo numa revolucionária proposta sobre o direito internacional de Lula, que pede a reformulação do Conselho de Segurança da ONU. A declaração foi feita ao lado do presidente de Portugal, Marcelo Rebelo, perfeito fazendo-se de sonso, mas que deve ter ficado surpreso com a audácia do gajo brasileiro, para quem, aliás, serviu como tradutor de português para a língua do Lula.
Sendo chapinha de Lula, Rebelo condecorou a primeira-dama Janja com a Grã-Cruz do Infante Dom Henrique, sob o pretexto de “serviços prestados a Portugal”, o que traz uma instigante dúvida sobre que raios afinal fez a mulher de Lula neste honorável quesito. O que sabemos é da gravata caríssima que ela comprou numa loja chique de Portugal, mas deve ter mais coisas que mereçam o agrado da medalha de Dom Henrique.
Mas o que dizer de Lula revisando o Conselho de Segurança da ONU, onde ele tentou entrar quando era presidente, fazendo concessões equivocadas à China, que depois não honrou o acordo? E o que falar sobre a visão lulista de que é preciso mudar tudo no mundo, ou “restabelecer uma nova geografia”, conforme suas próprias palavras, porque, conforme ele diz “a geografia de 1945 não é a mesma”.
Bem, para esta revisão na ONU e a mudança na compreensão do mundo todo sobre geopolítica, segundo o que na cabeça do Lula é uma brilhante reformulação global, ora, para isso ele não poderá contar com o Lira e o Pacheco nem com o Centrão. Mesmo a Janja ou a Gleisi Hoffmann não dão conta disso. Pelo menos até agora, todos tem varas curtas demais para cutucar esta instância mais poderosa até que a cadeira do Alexandre de Moraes e as de seus colegas do STF.
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Por José Pires
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