Lula atropelou a autoridade da ministra Simone Tebet e nomeou o economista Marcio Pochmann para a presidência do IBGE. Foi uma humilhação pública para Tebet, como de hábito com Lula, que na chefia costuma ser cruel ao tratar com aliados mais fracos. Primeiro ele faz uma fritura lenta da vítima, em vazamentos e declarações maldosas, com certa ambiguidade.
No caso de Tebet, o anúncio do nome de Pochmann veio de outro ministro — que nada faz sem o consentimento de Lula — cuja função no governo não está ligada diretamente ao IBGE. A confirmação no cargo foi dada por Paulo Pimenta, ministro da Secretaria de Comunicação. Na imprensa já aparecem várias vozes que apontam o procedimento como “um erro”, também amenizam a responsabilidade de Lula, mas na minha opinião isso tudo é de caso pensado.
Uma das melhores explicações sobre o risco de Pochmann no IBGE veio de Edmar Bacha, que tem um currículo que dá credibilidade à contestação, além de não ser uma “voz da direita”, ou “fascista”, “genocida”, como reagem atualmente os petistas no seu plano de criar um clima de intimidação. Economista respeitado, ex-presidente do órgão estatístico, Bacha é um dos formuladores do Plano Real que sustentou o governo petista até Lula resolver fazer as coisas do seu modo e estragar tudo.
Outras vozes de respeito levantaram-se contra, com um repúdio bastante forte ao novo nome no IBGE. Pochmann é apontado entre economistas como um “terraplanista econômico”, uma classificação de quem se guia por um anticientificismo grotesco e arriscado. A economista Elena Landau definiu a nomeação feita por Lula como “um dia de luto para a estatística brasileira”, afirmando que foi uma “posição partidária pura e absoluta”.
A economista deu razões concretas para a rejeição, lembrando que foi “desastroso” o período de Pochmann à frente do Ipea. “Ele demitiu técnicos da maior qualidade, interferia nas pesquisas, por uma razão puramente ideológica”, disse Landau, questionando também sobre a garantia de que “ele não vai fazer isso no IBGE”. Ela também está blindada contra acusação de ser uma economista “de direita”. Foi a responsável pelo programa econômico de Simone Tebet à presidência e criticava o ex-ministro Paulo Guedes antes mesmo da eleição de Jair Bolsonaro.
Para sintetizar a capacidade de visão de Pochmann como economista, cabe lembrar que ele foi contra a criação do Pix, expressando sua contrariedade em outubro de 2020 com o característico antiamericanismo rastaquera da esquerda, afirmando que o Banco Central dava “mais um passo na via neocolonial”. Ora, levando em consideração o prestígio concedido a ele por Lula, não há exagero em pensar que não haveria Pix se o governo fosse do PT.
A impressão que tenho dessa nova etapa do PT no poder é que seus dirigentes não estão nem um pouco interessados em correção de rumo. A verdade é que nunca tiveram interesse numa discussão crítica sobre o que fizeram nos governos anteriores, de Lula e Dilma, que na verdade são um mesmo governo na extensão dos quatro mandatos. Faz tempo que acompanho de fora essa tigrada: seus seminários, encontros ou qualquer outra forma de debate partidário resulta apenas em aplausos ao que são.
O que dizer de um pensamento político que apoia-se no crescimento de ajuda assistencial aos mais pobres? Depois de quatro governos petistas, eles se gabam disso. Parece humor negro: quanto mais pedidos de socorro, melhor o governo. É isso? Ah, sim: as pessoas desesperadas por um prato de comida é culpa dos outros, a menos que esses “outros” apoiem o governo petista.
Não há como esperar uma produção de qualidade de um partido que não se renova, vivendo de apontar o dedo para governos anteriores, sem nenhuma consistência histórica e até fora de lógica. Com o tempo, a manipulação narrativa ficou até engraçada. O olhar para o passado fecha-se em períodos no salto do governo Temer para os de Lula, com preferência pelo primeiro mandato. Os governos de Dilma Rousseff só são vistos quando precisam usá-la como vítima de um golpe que nunca houve.
Nunca acreditei na regeneração petista, até porque o partido de Lula esteve sempre atrasado na necessidade de modernização, em debate na esquerda especialmente nessa nossa época de tantas transformações. Lula vive no passado, de braços dados com a ala ortodoxa do PT, que manda no debate interno do partido. Eles são bem bolivarianistas, com origem nos laços suspeitos com Cuba, como eu já sabia e pode-se ver na prática nas relações externas deste governo, que traz de volta as alianças com ditaduras, com a predileção do partido pela relação com governos criminosos da América Latina e de outros cantos do mundo, como se vê na estreita ligação com ditaduras da África, no apoio ao Irã dos aiatolás, a Vladimir Putin e ao governo chinês.
Para isso, é preciso ter o domínio da narrativa, como já disse Lula, em um conselho para ninguém menos que o ditador Nicolás Maduro. Elena Landau tem razão nas suas críticas. Pochmann entra no IBGE exatamente para fazer das estatísticas e números econômicos um instrumento de governo favorável ao PT.
Nisso, não há nada de novo. Desde o começo desse governo trabalham com uma estratégia de domínio da informação e da articulação política, apoiada na criação de um ambiente artificial. Isso vai contra as motivações criadas junto aos eleitores para a eleição de Lula, então o que temos agora é uma mudança de sentido na máquina de propaganda. A transformação é na narrativa e não na forma de lidar com a realidade. O interesse é pelo confronto, com a criação de ameaças que exigem um salvador, que é vocês sabem quem. O pacificador dos contrários, aquele amoroso inimigo da intolerância, imagem meramente de palanque, ah, isso ficou para trás.
Eu só estranho a atrapalhação na ordem do processo. Colocaram o pé no acelerador. A nomeação de Pochmann parece uma emergência para manobrar na área econômica, em que nada que tenha a cara do projeto petista foi apresentado. O que temos é mais do mesmo, com um peso em excesso do poder de bancadas clientelistas no Congresso, além da falta de uma interferência de qualidade da parte da bancada governista, que no geral é tão desagradável quanto os mais direitistas. Lula precisa gastar. Do modo que as coisas andam, não sobra dinheiro para isso. Então por que não resolver esta matemática mexendo na forma de somar?
Reparem que esta nomeação, com Lula atravessando Tebet no ministério do Planejamento, desarruma a convivência que vinha sendo criada por Fernando Haddad, de razoável equilíbrio com o mercado econômico e forças políticas da sociedade civil e de partidos, colocadas à direita do PT. A decisão de Lula não foi bem recebida nem no Ministério da Fazenda e do jeito que veio apagou até a notícia positiva para o governo, que foi a elevação da nota de crédito do Brasil por parte da agência de classificação de risco Fitch.
A desmoralização direta foi de Simone Tebet, mas o tapa na cara atinge uma articulação delicada que vinha sendo feita. Neste ponto, a abertura essencial de diálogo e cooperação era dada pela participação de Simone Tebet, no Planejamento, em dupla com Haddad, na Fazenda. Tebet teve sua credibilidade esvaziada por Lula. A ministra não serve mais como intermediária para qualquer forma de diálogo fora do governo.
Na avaliação do que houve agora, vai estar certo quem quiser colocar nesta análise os ciúmes políticos de Lula e sua percepção do crescimento da imagem de Tebet, numa projeção eleitoral já a partir das eleições municipais do ano que vem. Que outra liderança nova com penetração política mais ampla neste ministério, nos seis meses deste governo cheio de complicações, a começar pelas asneiras retóricas do presidente? Só tem Simone Tebet. E Lula sabe muito bem disso.
Outra razão importante para a pressa está na realidade temporal do próprio Lula. São coisas da vida. O chefão petista está numa idade em que o tempo é incluído obrigatoriamente em qualquer questão existencial ou do cotidiano, como sabe muito bem qualquer pessoa que esteja vivendo entre os cinquenta e sessenta anos. Nessa hora, autocratas costumam tentar acelerar os processos políticos. Lula tem pressa. E como ele nunca se preocupou a respeito do interesse dos outros mortais, que dane-se quem ficará por aqui.
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Por José Pires
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