quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Aposentando a ética

As pessoas fazem da própria vida o que quiserem, mas algumas atitudes públicas dos nossos políticos são de causar espanto. Não pela impropriedade moral e até ilegalidade do que vem a público, é claro, mas pela tolice do gesto em si. É no mínimo uma análise errada da relação de custo-benefício.

A queda moral da política parece estar criando entre os brasileiros um fator psicológico que faz da honestidade um fardo que não vale a pena carregar. E fica mesmo difícil ser honesto num país em que o mérito vale tão pouco, quase nada, uma terra onde um golpe de esperteza vale mais que décadas de preparo técnico.

Mas alguém ter que dar o exemplo para que não míngüe o combate ao clima criado nesses anos todos e fortalecido especialmente nos oito anos do PT. E, na política, se este exemplo não vem da oposição dirá de onde? De quem está no governo é que não vem.

Com sua decisão de acumular o salário do Senado com a aposentadoria de governador no Rio Grande do Sul, o senador Pedro Simon jogou uma pá de cal em toda uma história de honestidade. Além de dar uma força para o argumento central do PT para abandonar qualquer sentido ético, que é o de que todos fazem igual na política. O igual aí evidentemente é sempre o que se relaciona às falcatruas flagradas pela imprensa.

Junto com Simon, um jogo que até parece combinado vem o senador Álvaro Dias e requere no Paraná sua aposentadoria de governador. A bufunfa é grande: com isso ele poderia pegar por mês mais de 50 mil reais. Eu digo "poderia" porque esta aposentadoria pode ser anulada, o que deve configurar como um perfeito golpe tucano. O senador ficará com o pesado ônus político por ter pedido uma aposentadoria imoral, mesmo sem conseguir recebê-la.

No caso de Álvaro Dias, sua atitude é de um peso moral de uma relevância que transcende ao seu papel político no plano nacional, que já não é pequeno. Ele foi cotado para ser o vice de José Serra na chapa presidencial. Num cenário em que uma oposição ao governo petista exige muita cobrança ética, Álvaro Dias fez o serviço de apequenar-se perante adversários cujo nível não raro toca a sarjeta.

E aí ficam os dois, Dias e Simon, tentando justificar o indefensável. Quem pode achar correta uma aposentadoria depois de trabalhar apenas quatro anos, às vezes bem menos? Só quem recebe, é claro. Num país como o Brasil, onde aposentado tem que sair catando latinha de alumínio no lixo para complementar o que ganha, não há como não ficar escandalizado com algo assim.

E o engraçado é que para se defender das críticas, os dois senadores começaram a levantar atitudes éticas em suas carreiras políticas. Bem, vamos acreditar nisso, mas então depois de um tempo aposenta-se a ética, é isso?

E a gente sabe que tem outras sem-vergonhices além da aposentadoria dos dois. Quando a imprensa descobre um assunto como este, logo começam a aparecer outras situações que são praticamente um assalto aos cofres públicos. Isso ocorre em todos os ambientes de trabalho, seja nos governos, nos legislativos e no sistema judiciário — em todas as instâncias, nos municípios, nos estados e no governo federal.

No Senado, entre outros privilégios, tem até plano de saúde vitalício extensivo a toda família. Quando se queixam de seus salários, nossos nobres senadores sempre se esquecem de falar nessas coisas.

Simon e Álvaro Dias dão a impressão de que vão encerrar a carreira. O senador gaúcho já havia anunciado isso no ano passado e até fez, como sempre, um discurso ético para justificar sua saída. E, também, com a idade que tem resta pouco espaço à frente para Simon na política brasileira. Fica sempre o exemplo ético, mas a história da aposentadoria diminuiu bastante sua estatura moral.

De qualquer maneira, além dos danos à história pessoal de cada um, os dois senadores fizeram em uma tacada até tola um desserviço à luta para conduzir o Brasil para um caminho com um mínimo de respeito moral.
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POR José Pires

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