segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Parece o fim do caminho

Pelo telefone uma querida amiga me cobra mais textos sobre a tragédia no Rio de Janeiro. Ela sabe do meu interesse por ecologia e das minhas previsões nada otimistas para um futuro próximo, principalmente no Brasil onde não existe nenhuma consciência coletiva sobre a necessidade de estruturas novas para o que vem por aí.

Conversamos bastante sobre os terríveis fatos, mas não se preocupem que nenhum dos dois ficou deprimido com o diálogo. Sou adepto de ver de forma franca todo assunto, muitas vezes reforçando as dificuldades da questão. Penso que dessa forma não só entende-se melhor o problema, como também a solução pode ser bem mais conseqüente. Ninguém aqui professa um niilismo cínico e improdutivo: quem me lê sabe disso. A filosofia é ver tudo com bastante rigor e meter a mão na massa de forma ativa e conseqüente.

Mas é difícil não temer pelo futuro olhando a cena dos dois líderes brasileiros, o governador Sérgio Cabral e a presidente Dilma Rousseff, de coletezinho colorido em visita ao local atingido pelos desastres, os dois acreditando que fazer cara feia dá a imagem de rigor técnico e senso de responsabilidade. Que saco para Dilma ter que se ausentar da distribuição de cargos em Brasília para pisar na lama (esta, natural) no Rio. E o Cabral teve que cancelar a estada no exterior, na viagem que havia feito exatamente para fugir as chuvas no Rio.

No primeiro dia da tragédia, quando a contagem dos mortos estava em 80, falei aqui que o número iria aumentar. Bastava dar uma corrida pela internet para ver que a coisa estava mesmo feia. A contagem já está em 641 mortos. As doações se estragam sob a chuva. Tem gente vendendo alimentos e até água acima do preço normal. E só agora, depois de quase duas semanas de chuvas fortes, o Ministério Público planeja (isso mesmo: ainda estão "planejando") abrir postos de cadastramento de desaparecidos nos sete municípios atingidos.

De simbólico, a destruição que a violência das águas fez no do sítio do compositor Tom Jobim mostra que o Brasil tem dificuldade muita dificuldade em aprender com aqueles que sabem. Foi nesta casa que o compositor criou a belíssima “Águas de Março” e dali também, de um rio da região, o Rio Preto, veio a inspiração para “Dindi”. Tom sempre foi um dos primeiros a ressaltar a necessidade do respeito à natureza, algo presente com muita força em sua obra em nas suas falas.

Na imagem acima, o estado que ficou a casa do sítio. A foto foi tirada pelo seu neto, Daniel Jobim, que estava lá durante as enxurradas que devastaram o lugar. De geração à geração, os problemas aumentam.

Ah, como eu gosto da música desse artista, de uma obra tão humanística que fez dele alguém tão próximo de todos, como se fosse um amigo dos que gostavam do que ele fazia tão bem. Mas quem sabe de Tom Jobim hoje em dia? E mais, qual é a autoridade política que leva a sério suas preocupações com o estado da nossa terra, assunto sobre o qual ele, de forma pioneira, vinha alertando desde os anos 60.

Confesso que as fortes chuvas no Rio me trouxeram à cabeça foi a situação do Sítio Burle Marx. Ali pela região de Guaratiba a coisa também pode ficar feia com estas tempestades, como ocorreu no ano passado. Felizmente por enquanto não tivemos nenhuma má notícia de lá. Apesar de que, danos por danos, a incúria das autoridades brasileira já fez bastante mal para esta outra preciosidade da nossa cultura.

O que estamos vendo hoje parece o fim do caminho, para citar o Tom Jobim. Vai ser preciso muito esforço para que o Brasil não se acabe pela falta de estruturas para a manutenção do que ainda temos.
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Por José Pires

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