Várias histórias comoventes nesta tragédia que acontece no Rio de Janeiro. Primeiro a devastação do sítio do Tom Jobim pela violência das águas. Por coincidência eu andava nesses dias relendo coisas dele, revistas com entrevistas que tenho muito bem guardadinhas, biografias e, claro, uma escutada nesta ou naquela música que uma frase ou um fato traz à lembrança [...é, mas quando é que você não está fuçando em alguma coisa do Tom Jobim? É verdade, mas aconteceu mesmo].
O simbolismo da queda da casa e a destruição no sítio é bem forte. Num belo livro escrito pela irmã do compositor, Helena Jobim, ela conta uma breve história ocorrida com ele em Jerusalém, quando depois de um show eles foram tirar uma foto em uma plantação de oliveiras e Jobim escolheu ficar do lado de uma árvore em meio a tantas outras.
Depois de feita a foto perceberam uma pequena placa onde se lia que exatamente aquela árvore havia sido plantada pelo pianista Arthur Rubinstein. De pronto um amigo de muitos anos, Tião Neto, disse para o compositor: “Não existem coincidências”.
Por coincidência é mais ou menos assim que eu penso. A destruição do sítio onde Jobim fez tantas coisas boas no Rio deveria ser vista como um alerta sobre os perigos de que ele já falava há muito tempo e que começam a acontecer de forma muito grave e continuada.
Ou será coincidência que o Rio colha tristezas aindas mais pesadas exatamente um ano depois da tragédia em Ilha Grande?
Em torno da destruição do lugar de onde, entre tantas belezas, saiu Dindi, Matita Perê e Águas de Março, tem também outras histórias comoventes.
Um caso terrível é do aposentado que foi soterrado com a família e viu a mulher e os filhos morrerem ao seu lado. É uma história impressionante contada pelo jornal Extra, do Rio. É uma daquelas reportagens que devia vir acompanhada de um lenço. Você pode ler clicando aqui ou aqui.
Histórias como esta trazem o lado humano da questão. É o sofrimento cotidiano e as perdas que passarão infelizmente a compor a memória de toda uma região. Mesmo um cético como eu sabe que, no final, o que importa é o nosso semelhante. Fiquei aqui pensando como será difícil para os sobreviventes dessa tragédia darem contnuidade às suas vidas depois que as coisas voltarem a uma relativa normalidade por lá.
O número de mortos já se aproxima de setecentos. É provável que chegue à mil. Naquela região será difícil encontrar alguma pessoa não tenha perto de si uma história pavorosa que ficará em sua cabeça talvez por toda a vida. Este sofrimento psicológico nenhum jornal consegue captar e sobre ele é praticamente impossível obter indenização ou cobrar responsabilidades. É coisa que não aparece em estatísticas e estudos.
Em Nova Orleans, em 2005 morreram cerca de 1500 pessoas. Hoje no Rio, ainda com muita gente possivelmente soterrada, o número de mortos já é quase a metade do que teve naquele desastre nos Estados Unidos. E por lá passou um furacão. Mas com os governos que temos o brasileiro não precisa disso para sofrer.
Fugindo da culpa
Aqui no Brasil nossos furacões são outros: as autoridades políticas se incumbem de criar o cenário perfeito para os desastres. Quando Nova Orleans viveu aquela situação dramática, a nossa esquerda foi rápida em apontar o presidente George W. Bush como o vilão. Bush certamente teve sua culpa, apesar de que não concordo com o uso de espantalhos na política, no estilo estratégico da esquerda brasileira.
Já no drama vivido hoje pelos brasileiros com as chuvas, essa mesma esquerda, em blogs e sites muito bem pagos com dinheiro público ou com favorecimentos de governos, investe contra a imprensa que busca contar o que se passa no Rio. Com isso, esses braços articulados do poder tentam desviar o foco dos culpados pela tragédia. E quem são? Ora, é a presidente Dilma Rousseff e o governador Sérgio Cabral. Os dois são a continuidade de governos anteriores. Dilma vai para o terceiro mandato petista. Cabral foi reeleito.
Teve um tempo em que no Brasil jornalistas pressionavam para o aprofundamento de qualquer investigação e a busca do esclarecimento dos fatos. Hoje jornalistas acoitados pelo poder petista trazem essa novidade de atacar a imprensa quando ela faz direito seu trabalho.
O que ocorre no Rio espanta pela enormidade e pelo peso dramático de tantos mortos, mas na essência não é muito diferente do abandono cotidiano que os cidadãos sofrem do poder público em todas as cidades brasileiras. A população sofre com serviços precários ou até com a total ausência em questões básicas pelas quais pagam impostos. Os brasileiros penam uma barbaridade enquanto o dinheiro público escoa na roubalheira, no pagamento de salários altos e mordomias para os políticos e no mau uso ocasionado por má-fé ou deficiência técnica.
E nem estou falando de direitos que os político exploram como se fossem doações assistencialistas, mas de serviços que custam muito caro e são pagos pelo cidadão muitas vezes até antecipadamente. É a internet que não funciona, ruas com asfalto precário, falta de segurança, bancos que atendem mal, transporte público de má-qualidade e tantos outros descasos, inclusive a falta de saneamento básico no país onde existem mais aparelhos celulares que tratamento de esgoto.
Acreditar que a chuva é a causa dos problemas serve apenas para ajudar na fuga das autoridades brasileiras às suas responsabilidades. Até porque sabemos muito bem que, quando não é a chuva, a seca também serve como justificativa para eles escapulirem.
Alguém vive numa cidade onde os serviços básicos, aqueles pagos todo mês pelo contribuinte, são prestados de forma razoável pelo administrador público? Bem, se vive então não conte pra ninguém, senão milhões de brasileiros vão querer se mudar para esta cidade.
É preciso apontar os responsáveis e cobrar suas responsabilidades, que vão além de um passeio rápido de coletezinho em frente aos jornalistas quando acontece alguma tragédia. Se fosse possível ser conseqüente na cobrança de responsabilidades pelo que acontece no Rio e em várias cidades brasileiras, muita gente sairia corrida do poder, alguns até iriam para a cadeia. Mas esta possibilidade ainda é a de um país de ficção, um mero desejo de muitos brasileiros. O problema é que enquanto não fazemos um país assim, vamos tendo que chorar muitos mortos.
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POR José Pires
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