domingo, 4 de março de 2012

A bicicleta como alvo


A morte da ciclista Juliana Ingrid Dias, atropelada por um ônibus na Avenida Paulista, é um retrato da difícil convivência entre os carros e as bicicletas nas cidades brasileiras. Quem anda de bicicleta sofre muito com a falta de respeito de quem está atrás de um volante. E eu sei disso muito bem, pois sou ciclista.

No geral, há pouco respeito pelo ciclista e existe também aquele motorista que adota um comportamento criminoso quando vê alguém de bicicleta à sua frente. Conforme testemunhas do acidente em São Paulo, foi o que aconteceu com a ciclista Juliana. Ela foi fechada por um ônibus e quando discutia com o motorista perdeu o equilíbrio e caiu, quando veio um outro ônibus e a matou.

Segundo a polícia, o motorista que causou o acidente será indiciado por homicídio culposo. Ele foi preso em flagrante, mas foi solto depois de pagar fiança. E é improvável que a justiça seja feita num caso como este. Do jeito que está o país a tendência é que este caso siga os descaminhos de tantos outros, que seguem por anos sem chegar a nenhum resultado justo.

Juliana morreu na sexta-feira e foi enterrada ontem. Era bióloga e trabalhava no Hospital Albert Einstein. Ela usava a bicicleta diariamente para ir de casa ao hospital e foi exatamente neste percurso que acabou sendo atropelada.

A repercussão da sua morte se deve à rápida mobilização de amigos ciclistas, que são bastante organizados na capital paulista. São muito unidos e ocupam a cidade com suas magrelas que cada vez mais se tornam uma opção de transporte bastante usada, principalmente pelos jovens. Ela própria era uma militante pelo uso da bicicleta, além de fazer parte de um grupo que plantava árvores pela cidade.

Ainda no sábado, logo depois do atropelamento, os amigos de Juliana foram chegando à Avenida Paulista e se deitaram no chão em sinal de protesto, parando a Avenida Paulista. Outras manifestações foram se seguindo, inclusive a colocação de uma bicicleta pintada de branco (chamada por eles de “ghost bike”; veja abaixo) simbolizando a ciclista morta. Eles também plantaram cerejeiras numa praça. A árvore era a preferida de Juliana.

As manifestações serviram para chamar a atenção para o uso da bicicleta na capital paulista, destacando a falta de respeito dos motoristas com quem anda de bicicleta e a ausência de fiscalização e punição sobre os que não cumprem leis que protegem o ciclista. No caso de Juliana, sua morte não teria ocorrido se o motorista do ônibus cumprisse uma lei simples que proíbe qualquer veículo de ultrapassar ciclistas se estiver a menos de 1,5 metro de sua lateral. É também muito claro pelos testemunhos que ele pressionou a ciclista e causou a desatenção que levou á sua morte.

Mas o descumprimento de uma lei tão óbvia como esta não é a única forma de desrespeito com o ciclista. Uma série de riscos poderia ser evitada se quem está por detrás de um volante usasse o bom senso, a começar pela compreensão de que uma pequena batida pode resultar na queda do ciclista. Carro com carro causa um leve risco na lataria. Já com a bicicleta isso pode causar morte.

E cair da bicicleta pode ser muito grave, mesmo que ela esteja em pouca velocidade. Isso é uma coisa que aprendi por experiência própria e numa situação que sem o uso do capacete eu poderia ter morrido. Ou coisa pior.

Outra questão muito simples é o respeito a um direito óbvio do ciclista, que é o de trafegar pelas ruas. Parece piada falar isso, mas muitos motoristas agem com o ciclista como se ele fosse um intruso trafegando ilegalmente pelas ruas.

Carros forçam a passagem e passam tirando fina das bicicletas, dão buzinadas para pressionar e alguns ainda aceleram de forma ameaçadora, afligindo o ciclista com freadas bruscas às suas costas e forçando passagem com fechadas. Quase todos que fazem essas barbaridades também acham sempre que estão com a razão e dizem isso xingando a vítima que vai sobre duas rodas.

Em alguns motoristas a visão de um ciclista parece despertar instintos bárbaros de ocupação do espaço das ruas pela violência. E quando isso acontece, perde sempre quem está na bicicleta, como aconteceu em São Paulo com a Juliana e acontece com tantos ciclistas neste Brasil que valoriza de forma estúpida o carro e não vê que na verdade o veículo do futuro é a bicicleta.
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POR José Pires

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Imagem: A bicicleta pintada de branco lembra a morte de mais um ciclista. Juliana Ingrid Dias, uma garota bacana que amava o ciclismo e plantava árvores pela cidade morreu em São Paulo por causa da estupidez de um motorista de ônibus. A foto é do blog Corredor Disciplinado.

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