terça-feira, 15 de maio de 2012

No coração das trevas mexicanas

Mesmo o enlouquecido Kurtz, de “No coração das trevas”, acharia demais o que está acontecendo atualmente no México. Kurtz é o personagem criado por Joseph Conrad (1857-1924) neste que é um dos mais conhecidos romances da literatura mundial. O livro também virou o filme de sucesso dirigido por Francis Ford Coppola. No livro, Kurtz é um comerciante de marfim que pratica atrocidades no antigo Congo Belga, na África. No filme de Coppola o personagem é um coronel do exército americano que domina pelo terror um território perdido no meio nas selvas do Vietnã. No livro e no filme é bem marcante a fala final de Kurtz — “O horror! O horror!” — expressando a desgraça que pode nascer das mãos dos homens.

A situação vivida hoje no México é de arrepiar até um Kurtz. Os narcotraficantes e as milícias espalham o terror numa vasta região próxima da fronteira com os Estados Unidos. Neste domingo foram encontrados 48 corpos mutilados. Antes disso, no início deste mês foram 23 os mortos, 9 deles pendurados em um viaduto na cidade de Nuevo Laredo, no nordeste do país.

A mortandade do domingo é tida como resultado de acerto de gangues do tráfico. A extrema violência funciona como avisos atemorizadores entre eles, mas as atrocidades são de tal nível que nada mais deve espantar ninguém. Já estive pesquisando este assunto na internet e vi cenas horrorosas. Os bandidos filmam em vídeo as atrocidades, que são disponibilizadas na rede, sempre como um meio de botar medo nos inimigos. Pode-se ver cenas de espancamentos, tortura e até degolamento. Um dos vídeos mais absurdos mostra duas pessoas sendo interrogadas e dando um depoimento com um aviso a seu bando, para depois serem mortas, uma delas assassinada com uma motosserra.

É o horror, o horror, como já disse Kurtz. Uma grande porção do México virou um território desumanizado. O site do jornal O Globo traz hoje a informação da organização Ação Cidadã do México de que ao menos 71% dos municípios do país, principalmente no Norte, estão sob o controle dos cartéis de drogas.

A matéria conta também que a violência tem atingido jornalistas e isso vem sendo feito de forma deliberada para calar a imprensa. Os jornalistas são encontrados mortos com marcas de torturas, feitas evidentemente como forma de amedrontar todos os profissionais. E é claro que os bandidos estão conseguindo com isso calar a imprensa.

Um jornal de Nuevo Laredo, o “El Mañana”, publicou um editorial no domingo anunciando que deixará de publicar qualquer notícia sobre a violência na cidade e em qualquer outro lugar do país. E Nuevo Laredo não é uma cidadezinha qualquer. Sua zona metropolitana tem cerca de 600 mil habitantes e ela fica grudada na fronteira do Texas. O jornal sofreu na semana passada um atentado com tiros e explosivos. Embora sem vítimas neste atentado, os bandidos conseguiram acabar com a liberdade de imprensa.
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POR José Pires


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Imagem: A cidade mexicana de Nuevo Laredo, grudada na fronteira dos Estados Unidos


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