quinta-feira, 25 de maio de 2017

Esquerda, volver: o passado se ilumina no incêndio de Brasília

Ações como a bagunça violenta dessa quarta-feira em Brasília me faz sempre pensar qual seria a razão da esquerda estar fazendo exatamente o que os adversários mais cruéis gostariam que fosse feito. Essa demolição espontânea das chances da esquerda recompor suas forças pela via eleitoral vem ocorrendo em todas as instâncias. Além das atabalhoadas ações de rua, está também nas atitudes mal educadas de advogados de defesa de Lula e seus companheiros e igualmente na forma absolutamente errada da atuação dessa mesma esquerda no Congresso Nacional, especialmente no Senado, onde existe uma visibilidade maior das grosserias de uma bancada com tipos como os petistas Lindbergh Farias e Gleisi Hoffmann, além da comunista Vanessa Grazziotin. Onde eles querem chegar com isso? É preciso conhecer o plano original, mas na prática o resultado vem sendo desastroso. E não só para o PT, que merece de fato ir para o buraco.

A performance da trinca, a qual se juntam figuras igualmente lamentáveis, como Fátima Bezerra, Humberto Costa e também Randolfe Rodrigues, levaria um estrangeiro recém-chegado a perguntar se tais senadores não seriam agentes infiltrados — da tal da “direita”, conforme eles próprios dizem o tempo todo — com a missão de desmoralizar por completo a imagem da esquerda e, de quebra, desestabilizar a democracia. Teorias conspiratórias brotam o tempo, mas nenhuma das outras é tão adequada quanto essa para esses tempos amalucados. Se não houvesse a certeza de que o general Golbery do Couto não tem mais nenhum poder, nem por extensão de seu pensamento nas casernas, daria até para pensar que ele bolou também mais essa. O general foi intelectual de grande influência na ditadura militar, desde a maquinação do golpe em 1964, passando pela distensão e preparação da saída dos militares do poder, no governo Geisel, chegando ao final do regime, com Figueiredo. Morreu em 1987.

Golbery foi responsável por um dos lances mais inteligentes da política brasileira, no remanejamento do sistema eleitoral em 1979. Acabando com o sistema de apenas dois partidos, veio a criação de outros, entre eles o PT. Quem acha os petistas atuais muito chatos é porque não conviveu com eles nos anos 80, quando eram insuportáveis de conviver e demoliam a construção da democracia ainda na origem do pós-64. Nem precisa dizer que o partido de Lula refestelou-se na porra-louquice, como se dizia então. Com isso, de imediato houve a fragmentação prematura da oposição e no logo prazo a destruição da possibilidade da implantação de um sistema social mais à esquerda no país.

O objetivo de Golbery era estrategicamente anticomunista, o que fazia todo sentido na época e não só pela posição que ele ocupava. No entanto, se vê hoje em dia que o sucesso de suas invenções inviabilizou até a construção de uma mínima unidade da esquerda em torno dos interesses brasileiros. Prejudicou demais também a construção de uma classe política razoavelmente decente. E ainda vai abrindo espaços cada vez mais amplos para o conservadorismo e para uma direita que parece ser de um nível de inteligência muito parecido com a esquerda. Nesta quarta-feira, o velho bruxo deve ter se revirado na tumba. De alegria, é claro. Se estivesse vivo, Golbery acharia o máximo o que aconteceu ontem em Brasília, apesar de que também teria algo a lamentar, que poderia deixá-lo um pouco triste. “Heureca! Brasília incendiada pela esquerda! Como é que não pensei nisso?”, teria dito o inesquecível general, com toda a razão deste mundo.
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POR José Pires

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