terça-feira, 4 de junho de 2019

Paulo Guedes, o vendedor do Brasil

O presidente Jair Bolsonaro esteve nesta semana sob pressão direta do ministro da Economia, Paulo Guedes, para que a Casa da Moeda seja vendida. Bolsonaro foi encostado na parede durante reunião acompanhado do secretário de seu ministério, Salim Mattar, dono da Localiza. Participou também o presidente da Casa da Moeda, Alexandre Cabral, que não concorda com a venda e tem um bom argumento: a estatal não é deficitária. Ao contrário, gera lucros para o governo.

Porém, pragmatismo e atuação com um ponto de vista crítico sobre o funcionamento dos instrumentos que estão sob sua responsabilidade não parece ter peso algum no pensamento do ministro. Guedes assume como uma missão passar o patrimônio brasileiro nos cobres, comportamento normal de um ultraliberal, da turma mais radical da chamada Escola de Chicago. Para eles o mais importante é a venda do patrimônio e não a ordenação administrativa do Estado, que é na minha opinião uma séria contradição até para fazer um bom negócio.

Desse modo, Guedes atua como esses consultores que resolvem de imediato os problemas de uma empresa com demissões e venda do patrimônio, demolindo os recursos humanos qualificados e a capacidade de operação. Claro que passada a euforia inicial sobra pouco da empresa, quando ela não acaba fechando. Mas então o consultor já estará aplicando a mesma receita em outra empresa.

Claro que filosoficamente isso vai de encontro à ideia do liberalismo. A trombada é feia. No entanto, a liberdade humana, com sua influência na capacidade de expressão da sociedade civil e no funcionamento democrático de instituições essenciais para a democracia, não faz parte do ideário de Guedes, como já foi vivamente demonstrado por ele no primeiro semestre desse governo que não engata de jeito nenhum.

Não deve ser esquecido que o ideário desta turma da Escola de Chicago da qual Guedes é aluno aplicadíssimo teve seus puxadinhos nas piores ditaduras latinoamericanas. Uma avaliação direta do descompromisso deles com a democracia está bem marcado na experiência mais importante da aplicação de propostas parecidas com as do ministro, com a participação ainda em vida do grande guru da “escola”, o economista Milton Friedman, que fazia palestras econômicas no Chile enquanto o ditador Augusto Pinochet censurava a imprensa e torturava e matava chilenos que não aceitavam as políticas dos alunos linha-dura da Escola de Chicago.

É uma experiência demolidora sobre o conceito de liberalismo, com um questionamento sério quanto à possibilidade disso ser uma trava para a ação de uma suposta “mão invisível” do mercado na construção de uma realidade econômica produtiva e aberta à liberdade dos espíritos empreendedores. No caso, a dúvida que não é apenas teórica toca na falta de eficiência de uma teoria econômica aplicada em paralelo à uma ditadura que anula todas as forças sociais, inclusive prendendo e matando aqueles que poderiam contribuir com a refutação muito bem defendida por um intelectual liberal como Karl Popper. Perde-se então um instrumento de aferição científica e de otimização de resultados e inclusive do ato de pensar.

Mas acontece que este debate da contradição da aplicação de regras de liberdade na economia, ao mesmo tempo anulando a liberdade humana, não passa pela cabeça de Guedes. Não é só sua cara que é fechada. Ele é mais um operador do que um estudioso da sua área, daí sua sanha em vender o patrimônio público de qualquer jeito, sem ter sequer o cuidado de qualquer empresário de visão intelectual mediana, que jamais se meteria a negociar seus próprios bens sem antes se ocupar com a organização e o controle da máquina, para obter melhores condições de venda e garantir posteriormente o atendimento e serviços para sua comunidade.

Esta separação contraditória entre liberdades não é uma preocupação teórica do ministro Guedes, como não é também do ponto de vista pessoal. Longe disso, ele tem fama de tratorar o próximo, além de na história recente da economia brasileira ser diminuta sua importância. Sempre foi um operador de bastidores, nas bolsas e em bancos, sobre os quais nem liberais podem ter dúvida da má influência em nossa economia nas últimas décadas. Conforme já disse, liberais da estirpe de Guedes passam por cima da questão, até porque ficariam empacados ou teriam de mudar de ideia, dedicando mais respeito a um Popper com suas teorias contra sistemas autoritários do que a um Friedman fazendo palestras em Santiago do Chile, enquanto o ditador Pinochet prendia e matava aqueles que poderiam trazer ao debate a confrontação científica às suas teorias.
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POR José Pires

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