quarta-feira, 12 de agosto de 2020

O final da farsa do liberalismo de Jair Bolsonaro

Eu estava curioso para saber como é que Paulo Guedes iria desenvolver a implantação da economia liberal no Brasil em conjunto com um político de ideias confusas de extrema direita como Jair Bolsonaro, com a carreira tocada na obscuridade por quase três décadas entre os políticos de qualidade mais rasteira da Câmara, sendo inclusive um dos piores no meio dessas figuras que usam a política para satisfazer suas piores ambições pessoais. Bem, as demissões ocorridas no Ministério da Economia mostram definitivamente que Jair Bolsonaro já cansou da fachada liberal e daquela conversa eleitoreira de “Posto Ipiranga”.

 

A demissão nesta terça-feira dos secretários especiais Salim Mattar (Privatizações) e Paulo Uebel (Desburocratização) é praticamente um fecho ao estado de insatisfação dentro da equipe de Guedes com a dificuldade de implantar o liberalismo no governo de um sujeito que na estante do escritório tem apenas um livro do torturador Brilhante Ustra, cujo único papel como administrador durante toda a vida foi o de chefe de uma “holding familiar” que, segundo o líder do PSL no Senado, Major Olimpio, tinha Fabrício Queiroz como “um verdadeiro diretor financeiro”, fazendo depósitos até na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro, chamada agora pelo povo de Micheque.

 

O que tivemos no ministério do Guedes foi uma debandada, conforme ele mesmo disse, naquele seu jeitão prosaico que nada tem a dever aos maus modos de Bolsonaro. É sempre uma aula a forma de Guedes explicar porque nada dá certo neste governo. Falando aos jornalistas sobre a saída de Salim Mattar do cargo de secretário de desestatização, o ministro disse o seguinte: “Não adianta ficar esperando a ajuda do papai do céu. Você tem que lutar”. Falas assim soam como demonstração de que não é só por insatisfação com Bolsonaro que a equipe econômica foi debandando.

 

Bem, parece que não será possível verificar como será a costura desse Frankenstein econômico, porque a suposta agenda liberal do ministro da Economia acabou de vez. É verdade que isso ocorre sem que Guedes tenha trazido algo realmente da sua lavra, pois ele nunca foi formulador de coisa alguma. Passou a vida longe do estudo e da aplicação qualitativa do conhecimento econômico, ganhando dinheiro no mercado financeiro e fazendo uma fortuna milionária inclusive com ataques a planos de recuperação da economia do nosso país, como ele próprio já confessou em entrevista.

 

Já escrevi que Guedes sempre me deu a impressão de que havia visto em Bolsonaro um Pinochet para chamar de seu, a exemplo dos discípulos da chamada “Escola de Chicago”, que preferem aplicar suas políticas sem a atrapalhação do debate de ideias com a opinião pública. É provável que seja por isso que eles se animam até hoje com o suposto sucesso do liberalismo durante a ditadura no Chile, comandada com crueldade entre 1973 e 1990 por Augusto Pinochet, militar corrupto que só não acabou preso porque morreu antes dos chilenos poderem pegá-lo.

 

Um dos ídolos de Guedes, o economista Milton Friedman, chegou até mesmo a visitar o Chile durante a sanguinária ditadura militar, levando seu apoio à política econômica de Pinochet implantada por seus discípulos. Claro que evitou visitar as masmorras. É uma cena de filme de zombies imaginar o economista americano dando palestras a políticos e acadêmicos, na sua defesa firme da liberdade de mercado, enquanto nas ruas de Santiago e de todo o Chile a polícia e milícias paramilitares do governo Pinochet espancavam, sequestravam e matavam opositores, levando parte deles para serem torturados nas cadeias da ditadura.

 

É aquele famoso abismo que costuma separar o liberalismo do interesse da maioria, entre eles o de viver em liberdade. O que pode explicar que no final da vida e já fora do poder, Pinochet gostasse de tomar chá com outra figura idolatrada pelos liberais, a ex-primeira ministra Margareth Thatcher, nas visitas do ex-ditador a Londres. Numa delas, em outubro de 1998, Pinochet acabou sendo preso, a partir de um mandado internacional de prisão jeito pelo juiz espanhol Baltazar Garzón e aceito pela Justiça Britânica, mas deixemos isso para outra hora.

 

O que importa é que o sonho de implantar no Brasil um liberalismo econômico entremeado à moral de um político de extrema-direita foram de encontro — uma porretada braba mesmo — aos instintos populistas de Bolsonaro. A lorota teve fim, definitivamente, nesta semana. Paulo Guedes só não acompanhou a debandada porque... bem, porque ele não é Sergio Moro nem Luiz Henrique Mandetta: ele é simplesmente o Paulo Guedes.

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POR‌ ‌José‌ ‌Pires‌

 

 

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Imagem- Sintam o clima, por esta cena de Paulo Guedes em evento na semana passada, em foto de Marcello Casal Jr, da Agência Brasil



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