quinta-feira, 24 de setembro de 2020

A esquerda e o PT regressam emocionalmente a um passado que sequer existiu

O PT foi um partido que adquiriu grande habilidade em explorar a decepção do eleitor com as expectativas criadas por políticos de outros partidos, aproveitando o não atendimento de desejos e necessidades da população para ir crescendo gradativamente, até ganhar o governo federal, com a eleição de Lula em 2002.

 

Os petistas conseguiram manter o poder por quase quatro mandatos, porém a sustentação desse longo período de governo foi mantida por meio de alianças com uma série chefes de outros partidos, que tradicionalmente repartem o poder no governo federal para o aproveitamento político e pessoal das estruturas públicas, inclusive para roubar muito dinheiro. Fizeram com o PT o que faziam com todos os outros: o problema é que os petistas gostaram tanto que até passaram a roubar juntos.

 

A consequência foi dura para o partido de Lula, que perdeu quadros qualificados tecnicamente e adquiriu uma rejeição acachapante, comprovada na derrota para Jair Bolsonaro, quando o candidato do partido não conseguiu apoio das demais correntes política do país nem do eleitor contra um adversário que não só era horroroso como fazia questão de explorar essa grosseria porque isso funcionava eleitoralmente, exatamente por causa do clima criado anteriormente pelo próprio PT.

 

A rejeição ao PT mantém-se até agora, trazendo uma questão complicada para ser resolvida, sobre a qual o partido tem poucas condições de compreender e atuar, em razão da baixa qualidade da sua direção nacional, inteiramente imposta por Lula, que determina inclusive as ações políticas do partido.

 

A situação é tão grave que na disputa pela prefeitura de São Paulo — com certeza a eleição mais importante este ano para o partido do Lula, até pelo simbolismo histórico da cidade — o PT conseguiu a façanha de ser rejeitado pelos próprios petistas, que abandonaram o candidato do partido e abraçaram a chapa de Guilherme Boulos e Luiza Erundina, do Psol.

 

O entusiasmo com a candidatura de Boulos se deve em grande parte a uma regressão emocional que vem ocorrendo com a esquerda, muito estúpida por sinal, porque não passa de uma fuga de desconfortos da maturidade, com uma volta ao passado na busca de uma pureza política que na verdade nunca existiu.

 

Esta ilusão encontrou o foco perfeito em Boulos, que se espelha no mito do Lula sindicalista — e por isso puro — até mesmo no estudado jeitão bocó do Lula deste passado que só existe em cabeças vazias do estudo, da discussão crítica e também da falta de autocrítica.

 

Complexo coletivo de culpa e as dificuldades do amadurecimento político resultaram neste “esquerda, volver”, que pode ser sentido entre os esquerdistas em todo o país. Quase dá para sentir no ar o perfume de patchouli e é quase um milagre que as companheiras não estejam calçando sandálias rústicas de couro e vestidos tipo indiano e os rapazes não estejam de bolsas a tiracolo.

 

O discurso político (ou “narrativa”, como se diz agora) parece da época logo depois do fim da ditadura, quando petistas já enchiam a nossa paciência, mas pelo menos ainda não roubavam.

 

Existe atualmente entre grande parcela de apoiadores do PT uma vergonha de tudo que se passou na história do partido, especialmente no que foi feito de ruim no período de poder no governo federal. E este desconforto tem razão de ser, porque de fato é preciso ter pouca vergonha na cara para ter apoiado até agora este partido.

 

Esta sensação incômoda de falta de capacidade de realização, além da decepcionante roubalheira, causou uma regressão melancólica, que evidentemente terá pouco valor efetivo na carrada de coisas que o Brasil precisa resolver para não afundar definitivamente. Era só o que faltava, com tantas complicações na vida não vai dar para aturar uma esquerda fazendo de conta, como antigamente, que traz no coração toda a bondade do mundo.

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POR‌ ‌José‌ ‌Pires‌


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