segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Raymundo Faoro em livro

A editora Globo lança um livro que reúne entrevistas de Raymundo Faoro. De nome "A Democracia Traída", junta quinze entrevistas entre 1979 e 2002, sendo a linha condutora de todas elas a edição do jornalista Mino Carta, já que foram publicadas em revistas editadas por ele, as sete últimas na semanal Carta Capital.

Deve ser um livro excelente. Digo pelas entrevistas em si, claro, já que nada sei sobre os outros textos que compõem o livro. Faoro tinha uma boa conversação, suas entrevistas são substanciosas, muito agradáveis de ler, daquele tipo de conversa da qual a gente sempre sai melhor informado do que quando entrou. Advogado, jurista, ele foi presidente da Organização dos Advogados do Brasil (OAB) no período de a 1977 a 1979. É autor também de "Os Donos do Poder", obra referencial na universidade brasileira. Foi um militante ativo numa causa que juntava a todos na ocasião: a construção da democracia. Teve atuação destacada na luta pela anistia, não esta porcaria que aí está, claro, que está mais para caixa de pagamentos, mas a anistia política que acabou saindo em agosto de 1979 depois de muita luta e que foi essencial para a democracia brasileira.

Claro que Faoro foi da máxima importância na feitura dessa democracia. Antes mesmo de seu mandato na OAB foi um dos intelectuais brasileiros que colocaram importantes instituições civis na luta pela democracia e depois do fim da ditadura militar de 64 foi voz ativa, de extrema importância, na construção da democracia. Infelizmente morreu em maio de 2003, antes que se definissem muitos fatos importantes da nossa história recente, entre eles a ascensão do PT e de Lula, de quem era próximo. Até foi convidado em 1989 por Lula para ser vice em sua chapa presidencial, mas o convite foi recusado.

Devo ter lido quase todas as entrevistas deste livro e com certeza li as sete últimas. Faoro tinha um pensamento altamente original. Era desses que elucidavam os problemas tanto pelo rigor analítico quanto pela qualidade do raciocínio e da argumentatação. Faz falta neste dicotômicos tempos em que o pensamento se bifurca em falsas contraposições.

As entrevistas na Carta Capital eram excelentes, de um tempo em que a revista de Mino Carta estava do lado de cá, na oposição ao Governo Federal. Os governos mudaram, saí da oposição à FHC para a do governo Lula. Mino Carta hoje é lulista de se emocionar com a presença do Supremo Apedeuta no Poder. Não sei se vê luzes em torno do presidente, como acontece com alguns, mas ele parece fascinado com a figura.

A revista era melhor na oposição. No jornalismo é sempre assim − imprensa chapa-branca nada informa e, além dessa e outras mazelas, é muito chata. Talvez sirva para embrulhar peixe ou forrar a gaiola do tico-tico, mas quem é que hoje compra peixe na feira ou tem passarinho em casa?

No governo de Fernando Henrique Cardoso era só pau, talvez por conta até de inimizades pessoais devido ao convívio no reduzido espaço social paulistano. Era muito bem editada, com matérias aprofundadas e um texto bem diferente do usual da imprensa. Carta Capital era criativa, inteligente e fazia gosto em não se submeter ao suposto interesse do leitor médio. Nunca fizeram uma capa com a cura do câncer, nem sobre as maravilhas da cirurgia plástica ou o famoso da hora.

No estilo da revista entravam também entrevistas muito bem feitas sendo as de Faoro muito especiais, pela personagem e a edição singular. De tempos em tempos ele dava uma extensa entrevista sobre o Brasil e os rumos da nossa política. A revista dava capa e o assunto bem merecia. Era sempre um material excelente. Reli algumas recentemente e elas permanecem. O conteúdo claro e de excelente qualidade que nos ajudava a pensar o cotidiano virou peça histórica. Dão um bom livro, com certeza.
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POR José Pires

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