terça-feira, 15 de novembro de 2022

Os ministros do STF, as vaias em Nova York, a democracia brasileira e o direito do brasileiro divergir inclusive do STF

Os ministros do STF estão indignados com o tratamento recebido em Nova York, em protestos de brasileiros, quando estiveram nos Estados Unidos em evento do Lide Brazil Conference. Apesar do nome, o assunto era mesmo o nosso Brasil. Os protestos ecoam a indignação daqui mesmo, deste país desunido e sem rumo. A xingação, além de questionamentos justos, podem ser assistidos em variados vídeos espalhados pela internet, com repercussão que em menos de 24 horas passam do milhão de visualizações.


Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso aparecem nesses vídeos, sendo vaiados e xingados por brasileiros que vivem nos Estados Unidos. Participam também do Lide os ministros Dias Toffoli e Cármen Lúcia. As autoridades são obrigadas a correr da porta de hotéis luxuosos para os carros, sendo protegidas do povo por guarda-costas. O número de magistrados na farra americana serve para decidir uma votação em plenário no STF, o que não é pouca coisa. Aí é que está o centro da questão. Antes de se indignarem com a desaprovação de manifestantes, nossos juízes deveriam ponderar sobre a razão dos juízes do supremo dos Estados Unidos não passarem pelo mesmo aperto em seu país.


É muito simples. Nos Estados Unidos os juízes falam nos autos, mesmo os magistrados das instâncias inferiores. Os Estados Unidos passam atualmente por uma crise muito mais grave do que vivemos no Brasil. Por lá, o negacionismo eleitoral também é maior. Não é necessário se estender sobre questões políticas que afetam o futuro da democracia, além de direitos fundamentais, na comparação com os problemas brasileiros. A fricção política por lá é muito mais pesada. Temos a invasão do Capitólio — onde ocorreram cinco mortes violentas — para demonstrar o volume da diferença.


Ninguém saberá de uma entrevista de algum juiz da suprema corte dos Estados Unidos dissertando sobre este tema. Nunca soube também de um deles fazendo ameaças pelo Twitter ou fazendo gracinhas com adversários, com sugestão de música. Nem devem ter conta em redes sociais. Tampouco houve comentários de um juiz sobre a derrota de Donald Trump ou apoio verbal a Joe Biden. E de modo algum um deles confraternizaria com um advogado de Trump, como ocorreu no jantar a dois entre Luís Roberto Barroso e o advogado Cristiano Zanin, defensor de Lula na “descondenação” do chefão petista. Sim, Barroso aproveitou a viagem aos Estados Unidos para encaixar na agenda este jantar.


É tamanho o despropósito que sites tiveram que esclarecer que não foi um fake news o tête-à-tête entre um juiz do STF e o advogado de um político que já foi largamente favorecido por este tribunal. Zanin é o nome favorito de Lula para o Supremo, o que pode ser um assunto oportuno enquanto se degusta um vinho caro no estrangeiro, entre comentários sobre a luta “antifascista” e o abuso do preço do tomate no Brasil.


Seria desfaçatez ou alienação de quem vive numa bolha esse espetáculo criado pelo Lide de João Doria em Nova York? Eu apontaria ambos como detonadores do desastre político. A falta de senso de oportunidade também serve para explicar em parte o fracasso da trajetória política de Doria, que acabou na sua falida candidatura a presidente. O ex-governador foi empresário de entretenimento, bem sucedido em eventos garantidos pela falta de risco. Quando suas qualidades de marketing foram confrontadas com realidade política adversa, ele quebrou a cara. Para não tachar como uma burrada este evento em Nova York, só se o descalabro fosse visto como uma armação entre Doria e os bolsonaristas. Mas aí seria conspiração fake.


Em que país esse pessoal está vivendo? Há duas semanas a direita brasileira vem promovendo manifestações em todo o país, com multidões praticamente acampadas na frente de quartéis militares. É um movimento de massas como nunca houve neste país, para parafrasear um alvo importante das manifestações, que pelo menos metade dos brasileiros jamais quis ver subindo de novo a rampa do Palácio do Planalto. Ou “voltando à cena do crime”, como disse seu vice Geraldo Alckmin.


Os temas expostos em Nova York pelos ministros do STF deram sustentação oportuna às manifestações de bolsonaristas, autenticando sua indignação — e não só a deles, a insatisfação com políticos e o STF é compartilhada por milhões de brasileiros que nunca votaram em Bolsonaro. Durante debate do Lide sobre o respeito à liberdade e à democracia (será que falaram do efeito negativo da promiscuidade entre o Judiciário e políticos?), o ministro Alexandre de Moraes chegou a dizer que Michel Temer ficou “pouco tempo” como presidente. “O Brasil merecia mais”, disse Moraes. Foi Temer quem indicou Moraes ao STF em 2017, depois dele ser ministro da Justiça em seu governo. Temer foi um dos convidados do Lide vaiados em Nova York.


Depois de ser alvo dos bolsonaristas em Nova York, Moraes correu ao Twitter para fazer ameaças. Ele escreveu que “os extremistas antidemocráticos merecem e terão a aplicação da lei penal“. Pois é: o homem continua confundindo o papel de juiz com o de inquisidor. Mas não é nada diferente do que vem sendo sua condução, desde que foi nomeado por Temer. Por causa da personalidade autoritária e talvez pela dificuldade de análise política, Moraes tem fortalecido a direita brasileira de tal forma que nem um marqueteiro de Bolsonaro alcançaria tamanho sucesso.


Pois não foi ele quem reuniu-se com Lula logo após a eleição e pediu ao petista que o ajudasse na regulamentação das redes sociais? O encontro já é fora de sentido, mas o pedido piora ainda mais as coisas. Parece até fake. Mas, de fato, o juiz do STF pediu ao presidente eleito que apresente um projeto de regulamentação das redes sociais. Independente do que se ache da tal “regulamentação”, isso é conversa de magistrado que presidiu o tribunal responsável pela eleição ganha pelo petista?


Moraes foi o pior condutor de um processo eleitoral, como presidente do TSE numa eleição fundamental para o país desenvolver um caminho razoavelmente equilibrado. Tudo resultou em confusão e ficamos num ambiente de terceiro turno. Moraes estimulou o descontentamento e as suspeitas sobre o pleito, porque não teve a neutralidade política essencial para o cargo. Certamente ele deve ficar para a história jurídica do país como o juiz que durante uma eleição dispensou a necessidade de ação de partidos, do Ministério Público ou uma decisão judicial pedindo a interferência do tribunal.


É claro que no ambiente de fervura política do país seria prudente agir com pragmatismo, independente do debate jurídico sobre esta liberação dele próprio, para agir com atos de ofício, punindo simplesmente pela sua vontade. O que ocorreu foi um estímulo às suspeitas sobre o papel do TSE, até pelo fato das decisões, em sua maioria, terem favorecido a candidatura do PT. Outra forma inapropriada da sua condução na presidência do TSE está na sua dificuldade em evitar que seus atos ganhem uma característica pessoal. A verdade é que em grande parte dos casos, talvez por um fator psicológico negligenciado, ele parece fazer questão de que o tom seja pessoal.


Houve até censura no segundo turno, com uma absurda disposição do TSE de determinar o que pode ou não ser dito pelas pessoas, proibindo antecipadamente que as pessoas abrissem a boca para que Moraes — ou Lula — não ouvisse o que não queria. Até o ex-ministro do STF Marco Aurélio Mello foi atingido, quando teve eliminado um trecho de uma entrevista sua usado na propaganda de Bolsonaro. Na entrevista à Band, o ex-ministro falava sobre Lula. "O Supremo não o inocentou”, ele afirmava com conhecimento de causa. Seu voto foi contra a decisão do STF de devolver os processos contra o líder máximo do PT à estaca zero.


Falando ao jornal O Estado de S. Paulo, Marco Aurélio disse que "os tempos são estranhos. Não podemos permitir censura a quem quer que seja". O ex-ministro tem uma definição muito boa sobre a atuação de seu antigo colega. Para ele, Moraes age de forma “trepidante”. E eu diria que a direita adora esta trepidação. Por conta de ações de Moraes, figuras da direita brasileira que estariam hoje na obscuridade pessoal e política adquiriram um relevo político por causa do modo disparatado da conduta do ministro do STF.


Principalmente na segunda metade do governo Bolsonaro, pela dificuldade na avaliação de consequência políticas de atos como ministro, por causa de comentários pessoais ou até mesmo por fazer cara feia em momentos que exigem não a carranca da falsa autoridade mas o pragmatismo que desarticula os interesses dos maus intencionados, Moraes teve uma enorme responsabilidade na criação de um cenário nacional propício ao surgimento de um movimento de massas como nunca houve na nossa história recente, com um vigor social que tende à crescer nos próximos anos e que pode ser determinante na nossa realidade política.


Antes do segundo turno já venho falando sobre minhas observações deste fenômeno político. Nessas duas semanas, depois da eleição de novembro, venho observando inclusive in loco este impressionante cenário que carrega componentes de misticismo religioso, visão moral sobre a família e a sociedade, tudo misturado à ansiedade de participação nos rumos do país. Tipos como esses ministros que foram à Nova York servem para estimular da pior forma a justa necessidade de participação dessa gente.

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Por José Pires


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