Louve-se a energia simbólica e a liderança de Nelson Mandela na luta pelos direitos da população negra na África do Sul e que se faça também a aclamação de sua presença carismática, que perdurou até a hora de sua morte e deve manter-se como uma consciência vital na história da África. Porém, para compreender a história é sempre bom manter os pés no chão e se desapegar de mitos. A queda do regime do apartheid na África do Sul não aconteceria se não fosse a pressão dos países ocidentais, iniciada a partir de 1973, quando a Assembléia Geral das Nações Unidas considerou o apartheid "crime contra a humanidade". O regime segregacionista caiu principalmente pelo bloqueio econômico decretado pelos Estados Unidos em 1986, que abalou a economia da África do Sul e forçou o governo racista a uma solução negociada que acabou por abolir o apartheid em 1994.
A eliminação daquele regime odioso não deve ser vista como resultado da força mágica de uma só figura, por mais importante que um indivíduo possa ser numa luta política e na história de um país. A movimentação mundial que ocorreu naquela época foi um dos grande eventos da história dos direitos humanos no mundo, que juntou na luta a comunidade internacional de uma forma muito rara no passado e infelizmente também pouco vista depois. A semelhança política do apartheid com o nazismo (que fora derrotado em 1945, também a partir da associação de várias nações) pode ter contribuído para que se juntassem países de diferentes sistemas políticos para acabar com o horror que era imposto aos negros da África do Sul em sua própria terra.
De início, o apartheid foi favorecido bastante pela dificuldade de comunicação naquela época, um tempo do telex e do telefone que funcionava com dificuldade. Na verdade, durante alguns anos do regime racista pouco se sabia do que acontecia na África do Sul. Porém, isso não impediu o empenho que se viu em todo o mundo quando apareceram as revelações sobre o horror. Jornalistas, intelectuais, cineastas e toda uma variedade de profissionais começaram a produzir materiais condenando o apartheid. Esta ação coletiva acabou criando o clima mundial que pressionou com rigor pela mudança do regime segregacionista.
A derrota do apartheid pode ter sim uma figura como Mandela lá no alto de sua significação, mas o movimento que levou a liberdade à África do Sul foi uma ação da comunidade internacional que mostrou a possibilidade das nações influírem de forma consequente no respeito aos direitos humanos. É sobre esta energia humana coletiva que precisamos meditar mais, porque ela é a prova de que o mundo pode ser melhor quando as pessoas são estimuladas a agir com boa vontade.
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Por José Pires
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