terça-feira, 6 de outubro de 2020

As traições de Bolsonaro e as aflições de seus apaixonados seguidores

A revolta de bolsonaristas com a indicação de Kássio Marques para o STF tem lances de humor nas manifestações de decepção dos seguidores de Jair Bolsonaro. É um humor grotesco, na maioria das vezes muito tosco, que é muito próprio do bolsonarismo, mas só mesmo rindo para suportar tanta cretinice. Existem chefes políticos que exigem confiança cega, pois Bolsonaro vem pedindo aos bolsonaristas confiança, cega, surda e muda. E o mais incrível é que ainda tem quem aceite, inclusive bolsonaristas de destaque que mantém a fidelidade, indiferentes às facadas nas costas.

Bolsonaro não se dispõe a explicar o motivo da preferência pelo nome de Marques como novo ministro do STF que deve substituir Celso de Mello, mas procura enquadrá-la na categoria de decisão de grande sabedoria, de um valor estratégico que vai muito além do juiz “terrivelmente evangélico”, conforme havia prometido.

Kássio Marques parece mais uma escolha de Lula ou Dilma Rousseff, se forem levadas em em consideração as bandeiras políticas de propaganda de Bolsonaro, mas ele garante que o novo ministro fará tudo o que ele quer, inaugurando a exposição pública e explícita de indicados ao STF como paus-mandados do presidente que os nomeiam. O presidente também vem exaltando Marques de uma forma parecida ao que fazia com Paulo Guedes. Só falta chamá-lo de Posto Ipiranga.

Os bolsonaristas andam chiando um pouco mais do que nas outras traições de Bolsonaro, o que pode ser em razão de faltar muito pouco dos chamados valores de direita para ser largado para trás por aquele que eles idolatravam como a redenção do conservadorismo no Brasil. Todo mundo sabe que o critério da decisão de Bolsonaro é a blindagem dele e da família contra investigações em andamento e outras complicações que podem aparecer mais à frente, porém os bolsonaristas procuram evitar este assunto em suas considerações, mantendo a indignação coletiva naquele sentido costumeiramente evocado com espírito de seita, de forma boboca e sem fundamento, como um grupo ocupado em uma alta missão patriótica.

O interessante é que muitos resmungam, mas não rompem politicamente com o governo e também não deixam claro como se posicionarão para resolver uma divergência brutal entre a realidade atual e as expectativas da época em que levantavam nos ombros este sujeito desqualificado e desonesto aos gritos de “Mito!”. Em um comentário feito nesses dias por Olavo de Carvalho, naquele seu estilo filosófico em pílulas lançadas no Facebook e no Twitter, ele tentou explicar esse estranho comportamento de revoltas o tempo todo contra traições políticas, sem chegar a nenhuma conclusão objetiva, que é o que bolsonaristas fazem desde que passaram a ser implacavelmente enganados, depois de Bolsonaro ganhar a eleição.

O guru do presidente é um dos que ficaram muito irritados com a escolha do novo juiz do STF. Ele já andava bastante insatisfeito com o governo. Como se sabe, para Olavo o Brasil atualmente é uma ditadura comunista mantida por generais, que usam Bolsonaro como presidente direitista de fachada. Se não é uma teoria de conspiração das mais estrambóticas, então só pode ser a forma mais avançada de domínio comunista que já apareceu na face da Terra.

Olavo reclama continuamente das atitudes de Bolsonaro. Afirma que a opção do presidente para substituir Celso de Mello “é uma escolha de merda”, porém mantém-se como um Grilo Falante das redes sociais, um cúmplice no ombro do chefe com o nariz cada vez mais longo e que não lhe dá mais ouvidos. Sua explicação é que apesar das constantes traições de Bolsonaro a seus seguidores, ele continua a favor do presidente porque “a gente não consegue parar de gostar dele”.

Bem, não deixa de ser uma conclusão filosófica sobre o tema, embora o impagável guru tenha se apropriado de uma concepção antiga para teorizar sobre o motivo da falta de um rompimento: sua filosofia é a do corno manso.

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POR‌ ‌José‌ ‌Pires‌


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