Este desenho de James Thurber é um dos primeiros cartuns de que tenho memória na minha vida e é uma das imagens artísticas que mais me marcou. Vi este e mais dois ou três numa reportagem da antiga Seleções do Reader’s Digest ali pelo início dos anos 60. Eu tinha doze ou treze anos e a Seleções era um dos poucos canais nossos com o mundo exterior. O Brasil era uma província. Ainda é, mas hoje pelo menos temos a janela da internet para espiar o tempo todo lá fora.
É difícil explicar para um jovem de hoje como era a coisa, tão complicado como fazer alguém entender atualmente que os jornais eram feitos então numa máquina de escrever. A informação era passada de mão em mão, isso literalmente. Quando vi estes desenhos era muito especial ter uma revista nas mãos. O que tínhamos aqui? A TV recém-começava e televisão no Brasil sempre foi porcaria. Nem a TV a cabo nos salva disso. Nossa indústria editorial era pequena. A qualidade de impressão, que até hoje não é nada boa no país, na época era péssima. Mas era o que tínhamos e então era com emoção que eu recebia uma reportagem qualquer com a reprodução de alguma pintura ou desenho, mesmo que a impressão não fosse grande coisa.
As revistas ficavam guardadinhas durante anos para serem espiadas quando fosse preciso. Algumas imagens eu recortava e guardava. Eram como tesouros da informação, de forma que ter acesso a algo tão precioso como os desenhos de Thurber não era para qualquer um e obviamente de forma alguma tão fácil como hoje.
Só para ter uma idéia, de um pintor como Paul Klee, tomando como exemplo outro artista que adoro, com a facilidade criada pela internet acabei vendo mais obras dele nos últimos três anos do que em todos os outros anteriores meus de vida. E de verdade mesmo, antes da internet cheguei a ver pouco mais de uma centena de obras dele ou de qualquer outro artista e muitas vezes em reproduções de qualidade bem ruim. Agora já vi quase tudo de Klee e de outros bons pintores.
Mas, voltando aos meus tempos de menino, quando conheci o trabalho de James Thurber este cartum me encantou bastante. Isso mostra, sem falsa modéstia, que eu era mesmo bem precoce. Até para hoje é um trabalho de difícil compreensão e que para ser apreciado exige uma certa capacidade técnica, especialmente por causa do traço sofisticado ao extremo. A simplicidade pode afastar o leigo e, não raro, quem não entende de arte tende sempre a apreciar mais o excesso do que a síntese.
A piada é surrealista como pede o desenho de uma foca atrás de uma cama. Thurber conta que fez primeiro o desenho, sem saber em que ia dar. Depois escreveu o diálogo para a cena estranha. A mulher diz: "Está bem, você ouviu uma foca". Vejam a imagem ampliada, que postei em formato bem grande, clicando sobre ela. Dá para perceber detalhes do caminho da pena do artista sobre o papel.
Thurber é extremamente sofisticado em sua simplicidade. Muitos bons desenhistas levam anos para “desaprender” a desenhar e fazer algo tão despojado assim, o que ele aparentemente conseguiu desde sempre. Acho até que, em parte, porque Thurber era administrador na revista New Yorker quando começou a publicar. Depois acabou sendo altamente reconhecido como escritor, o que de certa forma deve tê-lo mantido fora das pressões comuns a todo artista. O mundo sempre exige o excesso e isso vale também para quem desenha para imprensa.
Isso pode ser uma das explicações para este desenho tão caligráfico e que parece tão espontâneo. Mas a melhor explicação mesmo é que o cara era bom de verdade e bastante corajoso: o cartum é de 1932.
Mas a simplicidade sempre engana muito. Em arte, algo tão simples assim na maioria das vezes é sempre resultado de um trabalho danado.
Sempre me ficou na memória este cartum que publico aqui e também outro, de um sintetismo gráfico maravilhoso, uma cena onde está um bicho estranho, que parece ser um enorme hipopótamo, tendo caídos à sua volta um sapato, um chapéu e um cachimbo. Na frente dele uma senhora com as mãos na cintura pergunta de forma enérgica: “O que você fez com o Dr. Millmoss?”
Mais tarde vi muitos outros desenhos de Thurber, inclusive as belas capas da New Yorker, onde ele depois passou a escrever também com muito sucesso. Tenho um belo livro de cartuns seus, além de centenas de desenhos recolhidos na internet. É um daqueles artistas inspiradores que até uma rápida olhada basta para reforçar a crença na necessidade da arte.
Entrando na internet dá para ver muitos desses desenhos, como nesta página do Flickr, onde uma pessoa teve a delicadeza de escanear e publicar vários cartuns retirados de um álbum. Mas o que ficou mesmo de forma marcante na minha memória foram estes dois cartuns de que falei, publicados no tempo em que essas coisas só eram vistas impressas em tinta.
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POR José Pires
É difícil explicar para um jovem de hoje como era a coisa, tão complicado como fazer alguém entender atualmente que os jornais eram feitos então numa máquina de escrever. A informação era passada de mão em mão, isso literalmente. Quando vi estes desenhos era muito especial ter uma revista nas mãos. O que tínhamos aqui? A TV recém-começava e televisão no Brasil sempre foi porcaria. Nem a TV a cabo nos salva disso. Nossa indústria editorial era pequena. A qualidade de impressão, que até hoje não é nada boa no país, na época era péssima. Mas era o que tínhamos e então era com emoção que eu recebia uma reportagem qualquer com a reprodução de alguma pintura ou desenho, mesmo que a impressão não fosse grande coisa.
As revistas ficavam guardadinhas durante anos para serem espiadas quando fosse preciso. Algumas imagens eu recortava e guardava. Eram como tesouros da informação, de forma que ter acesso a algo tão precioso como os desenhos de Thurber não era para qualquer um e obviamente de forma alguma tão fácil como hoje.
Só para ter uma idéia, de um pintor como Paul Klee, tomando como exemplo outro artista que adoro, com a facilidade criada pela internet acabei vendo mais obras dele nos últimos três anos do que em todos os outros anteriores meus de vida. E de verdade mesmo, antes da internet cheguei a ver pouco mais de uma centena de obras dele ou de qualquer outro artista e muitas vezes em reproduções de qualidade bem ruim. Agora já vi quase tudo de Klee e de outros bons pintores.
Mas, voltando aos meus tempos de menino, quando conheci o trabalho de James Thurber este cartum me encantou bastante. Isso mostra, sem falsa modéstia, que eu era mesmo bem precoce. Até para hoje é um trabalho de difícil compreensão e que para ser apreciado exige uma certa capacidade técnica, especialmente por causa do traço sofisticado ao extremo. A simplicidade pode afastar o leigo e, não raro, quem não entende de arte tende sempre a apreciar mais o excesso do que a síntese.
A piada é surrealista como pede o desenho de uma foca atrás de uma cama. Thurber conta que fez primeiro o desenho, sem saber em que ia dar. Depois escreveu o diálogo para a cena estranha. A mulher diz: "Está bem, você ouviu uma foca". Vejam a imagem ampliada, que postei em formato bem grande, clicando sobre ela. Dá para perceber detalhes do caminho da pena do artista sobre o papel.
Thurber é extremamente sofisticado em sua simplicidade. Muitos bons desenhistas levam anos para “desaprender” a desenhar e fazer algo tão despojado assim, o que ele aparentemente conseguiu desde sempre. Acho até que, em parte, porque Thurber era administrador na revista New Yorker quando começou a publicar. Depois acabou sendo altamente reconhecido como escritor, o que de certa forma deve tê-lo mantido fora das pressões comuns a todo artista. O mundo sempre exige o excesso e isso vale também para quem desenha para imprensa.
Isso pode ser uma das explicações para este desenho tão caligráfico e que parece tão espontâneo. Mas a melhor explicação mesmo é que o cara era bom de verdade e bastante corajoso: o cartum é de 1932.
Mas a simplicidade sempre engana muito. Em arte, algo tão simples assim na maioria das vezes é sempre resultado de um trabalho danado.
Sempre me ficou na memória este cartum que publico aqui e também outro, de um sintetismo gráfico maravilhoso, uma cena onde está um bicho estranho, que parece ser um enorme hipopótamo, tendo caídos à sua volta um sapato, um chapéu e um cachimbo. Na frente dele uma senhora com as mãos na cintura pergunta de forma enérgica: “O que você fez com o Dr. Millmoss?”
Mais tarde vi muitos outros desenhos de Thurber, inclusive as belas capas da New Yorker, onde ele depois passou a escrever também com muito sucesso. Tenho um belo livro de cartuns seus, além de centenas de desenhos recolhidos na internet. É um daqueles artistas inspiradores que até uma rápida olhada basta para reforçar a crença na necessidade da arte.
Entrando na internet dá para ver muitos desses desenhos, como nesta página do Flickr, onde uma pessoa teve a delicadeza de escanear e publicar vários cartuns retirados de um álbum. Mas o que ficou mesmo de forma marcante na minha memória foram estes dois cartuns de que falei, publicados no tempo em que essas coisas só eram vistas impressas em tinta.
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POR José Pires
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