domingo, 3 de julho de 2011

Um adeus a Itamar Franco e sua forma de ser que vai fazer muita falta

Infelizmente o ex-presidente Itamar Franco morreu. Mas, este grande político viveu bastante, realizou tarefas importantes para o Brasil. De forma modesta, construiu as bases de uma estabilidade econômica e inclusive política sem as quais o país iria à breca. Não teve em vida o merecido reconhecimento por este feito, porém o Brasil é assim mesmo, um país que despreza de maneira doentia o passado. Não foi só com o Itamar, apesar de que, em relação ao que ele fez pelo país a injustiça acabou sendo bem grande.

Em nossa história recente dois períodos foram difíceis de governar depois da ditadura militar. Um foi após a morte de Tancredo Neves e o outro depois da queda de Collor de Mello por corrupção. No primeiro caso tivemos o fracasso de José Sarney e o segundo foi o período em que Itamar Franco recompôs a governabilidade e criou uma base segura que políticos como Sarney trabalham até hoje para destruir. E, pelo visto, com bastante sucesso.

Ao mesmo tempo em que o ex-presidente Itamar agonizava, os tucanos comemoravam os 80 anos de Fernando Henrique Cardoso. Bem, sem o Itamar Franco uma comemoração dessas teria certamente um menor peso, pelo menos em termos de façanhas econômicas.

Bem que Itamar podia ficar mais um pouquinho. Vai fazer muita falta e não só pela carência de gente digna na política, hoje um problema que está fazendo o Brasil afundar em lama e na precariedade administrativa. É claro que o Senado perde muito com sua morte. Neste sábado deve ter tido muito patife brindando a ausência desta figura que iria encrencar bastante com os esquemas corruptos naquela Casa, alinhados diretamente com o governo.

Quem teve sorte também foi o governo do PT, já na terceira edição, na qual se perdeu até o que eles piratearam do ordenamento econômico que começou com Itamar Franco. Nos poucos meses como senador, Itamar mostrou que o PT teria com ele uma oposição firme, com a calma e obstinação que os companheiros de Lula foram desacostumados por uma oposição frouxa.

Falei disso aqui no blog, analisando a cabulosa sorte às avessas do ex-presidente Lula, este notório pé-frio que azara a vida de qualquer um que se aproxime dele, mas que tem um aproveitamento impressionante da falta de sorte dos outros. E se mesmo com a lista que comprova os danos da má energia do seca-pimenteira alguém achar que é só marcação minha com o Supremo Apedeuta, lembrem o que foi feito de Antonio Palocci. Dava até a impressão de que o Midas-consultor Palocci ia se safar... foi quando Lula entrou em campo para defendê-lo.


Um sentido moral e
uma credibilidade que
vão fazer muita falta

A morte de Itamar tira de cena um político decente e uma voz com credibilidade que iria com toda a certeza ter muita importância na construção de um desvio deste destino desastroso que o PT vem construindo para o Brasil.

Para quem teve tanto poder e em tantas instâncias, Itamar Franco morreu com uma renda modesta. Era um dos poucos integrantes do Senado que dependia do salário de senador. Era um homem honesto. É claro que ter se mantido durante tanto tempo de forma honesta na política é uma qualidade imensa de Itamar, mas não deixa de ser um sintoma da decomposição moral do país que o noticiário tenha que sublinhar na história de um político o fato de ele não ter sido desonesto.

Com sua morte estão relembrando muitas histórias sobre a presidência de Itamar. Uma de destaque é aquela do dia em que o falecido senador Antonio Carlos Magalhães fez um discurso no Senado afirmando que tinha denúncias de corrupção no governo. O presidente então o convidou para levar as denúncias ao Palácio do Planalto. Quando ACM lá chegou, Itamar havia convidado toda a imprensa para acompanhar a reunião. Era mais uma bravata de ACM. O senador baiano tinha em mãos apenas recortes de jornais.

Chega a ser estranho que os brasileiros não tenham compreendido um homem que faz uma coisa dessas, num período em que o senador ACM tinha muito poder — especialmente pela sua ligação direta com a Rede Globo de Roberto Marinho — e usava suas ameaças para ocupar um lugar de destaque como maioral da política.

Sempre tive a impressão de que a má vontade que muitos tiveram com Itamar foi em razão dele viver num tempo muito particular, avesso às solenidades, ocupado com coisas simples. Isso criou antipatias inclusive com jornalistas honestos, que buscaram sempre fazer chacota do presidente que não tomava uísque com eles ou participava de qualquer outro divertimento mais quente nas frenéticas noites brasilienses.

Itamar Franco não fazia concessões a um estilo de vida que infelizmente toma conta do país, esta forma espetacular de trabalhar e ter prazer e também de fazer política, o que não era de seu gosto. E não fosse o Brasil o país dos paradoxos poderíamos até ver uma incongruência num povo que se incomoda de ter um presidente que encarou a vida de forma honesta e simple


O homem que deixou
o poder à espera para
consolar a mãe doente

Um exemplo da extrema franqueza de Itamar pode ser visto numa tentativa de piada que tentaram fazer com ele na televisão. Foi recente, um pouco antes de ele se eleger senador, num desses programas que procuram fazer humor constrangendo alguma personalidade. Neste caso, um cômico (sic) fingia ser um jornalista inexperiente.

O ator faz um papel de trapalhão na entrevista com Itamar e o ex-presidente em momento algum percebe a gozação. E lida com a situação com uma compreensão admirável. Com paciência procura ajudar o “jornalista” a desempenhar o trabalho para o qual parece ter muita dificuldade. Veja aqui o vídeo, mas depois. Agora continue me acompanhando.

Bem, a seriedade anda tão em falta ultimamente que não há estranhamento algum com a falta de protesto com uma farsa em que um ator finge ser um jornalista. Nem os próprios profissionais da imprensa se dão conta da desonestidade dessa confusão deliberada (mesmo que fosse engraçada; e não é o caso). O errado acaba sendo o Itamar Franco, com seu tempo desajustado a esses tempos ditos modernos.

O ex-presidente defendia sua privacidade de uma forma que realmente era difícil de entender numa época em que as pessoas acham que precisam ficar em contato o tempo todo com a vida de políticos e artistas, mesmo que seja em situações criadas de forma artificial e com muito mau gosto. Como eu já disse, ele vivia num tempo à parte. Depois que o corrupto presidente Collor teve que abandonar o Palácio do Planalto às pressas, Itamar, que foi seu vice como todo mundo sabe, adiou a posse para ficar ao lado da mãe, que estava enferma e acabou morrendo.

E as pessoas ficam abismadas que alguém tenha abandonado tudo para ficar ao lado da mãe doente. E dá para entender esta reação. No Brasil qual é político que não abandonaria a própria mãe para pegar o cargo que Itamar deixou à espera?

Para apontar a confusão moral que tem criado uma dificuldade danada para o brasileiro avaliar o que realmente tem importância nesta nossa passagem pela Terra, vou comparar com outro político que abandonou tudo para correr para o enterro de uma pessoa.

Foi o presidente Fernando Henrique Cardoso, que em abril de 1998 cancelou uma importante viagem que fazia à Espanha e voltou correndo ao Brasil para o enterro do deputado Luís Eduardo Magalhães (PFL, hoje DEM) que teve morte repentina. Magalhães era líder do governo na Câmara, porém, muito mais que isso, era filho do cacique político Antonio Carlos Magalhães, o mesmo ACM que anos antes saiu humilhado do Palácio do Planalto com sua pastinha de recortes de jornais e nunca mais perdoou Itamar Franco.

É claro que não havia outra necessidade da volta repentina de Fernando Henrique Cardoso, a não ser para cativar o poderoso ACM. Mas, poucos colocaram em dúvida esse gesto duvidoso.

Então ficamos assim: FHC foi um estadista por ter voltado correndo da Espanha para o enterro do filho do cacique baiano e Itamar Franco foi um maluco ao adiar a posse como presidente para ficar ao lado da mãe doente.


O dia em que Itamar deu
lição de boas maneiras e de
matemática para Gleisi Hoffmann

Poderíamos passar muito tempo lembrando as histórias de Itamar Franco e não seria nada mal, pois os episódios na sua vida não são banais, mas vamos fechar com um último lance ocorrido no Senado, que mostra de que cepa era feito Itamar.

Aconteceu entre ele e a paranaense Gleisi Hoffmann, quando a atual ministra da Casa Civil era senadora. É uma história que guarda uma moral interessante que a ministra Gleisi terá para contar aos netos como um exemplo do erro de se postar frente as outros com uma arrogância desguarnecida de conhecimento técnico e experiência de vida, neste estilo político tão próprio dos petistas.

Itamar travou um interessante debate com Gleisi Hoffmann, que defendia a alteração no Tratado de Itaipu com o Paraguai. Itamar era contra, no que penso que ele estava muito certo. Essa alteração despeja no Paraguai uma dinheirama que deverá sair pelo ladrão como o líquido de uma caixa d’água muito cheia. E não vai molhar só mãos paraguaias, não.

Mas, vamos ao debate entre a então senadora Gleisi e seu colega mineiro. Numa das vezes em que Itamar Franco falou no Senado contra a proposta do governo de aumentar em 200% o que o Brasil paga ao Paraguai pela energia gerada em Itaipu, a senadora Gleisi Hoffman o aparteou e disse que ele não entendia nada de política energética.

O ex-presidente deixou quieto o caso naquela sessão, para responder dias depois. No plenário do Senado mostrou para a senadora petista uma fórmula matemática bastante complicada e perguntou se ela sabia do que se tratava.

Gleisi Hoffmann não teve outro jeito senão dizer que não sabia. Itamar então explicou para a petista que era uma fórmula matemática criada em seu governo sobre custos para a geração de energia elétrica e a equação de reajustes futuros das tarifas. Era uma fórmula paramétrica. E não me perguntem o que é isso, pois não fui eu que falei que Itamar não entendia de energia.

O debate entre Itamar e a então senadora pode ser lido aqui. Fica o mistério não tão insondável assim sobre quem é que passava a cola para a senadora pelo celular. Itamar estranhou que tendo sido diretora de Itaipu Gleisi Hoffmann desconhecesse a fórmula. No debate, ele ainda diz que era provável que o passador de cola também não tivesse entendido a fórmula matemática.

Mas Itamar se foi e não teremos o prumo moral que ele poderia ajudar a dar ao Senado e à política brasileira. Ficará com certeza seu exemplo na condução de uma vida pública honesta, decente, realizadora, para a qual infelizmente o Brasil só terá olhos quando se elevar dessa sarjeta moral em que foi colocado. Se é que se elevará.

Para terminar, a decisão da família do falecido em evitar o cortejo fúnebre em Brasília e a cerimônia no Palácio do Planalto dá um fecho admirável a este testamento digno, simples, de uma grandiosidade humana que sempre prescindiu de qualquer pompa.
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POR José Pires

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