terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Depois do Morro do Alemão, Jobim quer por o exército argentino nas ruas

A criação do Ministério da Defesa foi uma das realizações do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso de grande importância histórica. Deu ao comando das Forças Armadas um peso civil, como acontece em qualquer democracia respeitável do Ocidente. O PT não pode se queixar disso, pois recebeu pronto um serviço que não foi um dos mais fáceis de fazer num país que em período relativamente recente viveu uma ditadura militar.

É uma herança bendita, ainda que o governo de Lula não tenha conduzido a pasta com o devido equilíbrio que um ministério tão importante exigiria. O Ministério da Defesa foi centro de crises graves, como a do setor aéreo brasileiro, e também foi envolvido em negócios pra lá de estranhos, como o da compra dos aviões Rafale, os caças franceses que o governo quer comprar de qualquer jeito, a despeito de vários especialistas garantirem que este não é um bom negócio.

Lula também colocou na chefia do ministério um político que não prima pelo equilíbrio e muito menos pela discrição. Ao contrário, o ministro Nelson Jobim atua até com certo prazer como chamariz para polêmicas que não raramente nada tem a ver com assuntos militares. É o tipo de político que parece ter um gosto especial em ver suas próprias fotos na imprensa. E depois que virou ministro pegou também a mania de vestir uma farda militar para sair a campo nas atividades da pasta. Nunca teve qualquer ligação com a Marinha, a Força Aérea ou Exército, talvez nem recruta tenha sido, mas sai de farda como se fosse militar graduado.

Mas o governo do PT gosta muito de Jobim, que, aliás, é uma herança do governo FHC, onde foi também figura poderosa. Mas a despeito disso e de outros atos condenáveis do passado, como a falsificação de parte da Constituição de 88, o governo petista gosta muito dele. E é claro que não pode ser pela sua experiência militar, pois no setor só existe em seu currículo o fetiche recente de sair nas fotografias envergando uma farda de mentira, nalgumas vezes uma farda camuflada, de combate nas selvas. É um costume que num homem da sua estatura física chama a atenção que é uma barbaridade.

Tirando a felicidade do ministro nessas situações, quando parece um menino orgulhoso fantasiado de militar, nem simbolicamente isso faz bem. A imagem do poder militar sob o mando democrático civil é parte importante do cargo.

Em qualquer nação sensata e ainda mais no Brasil, um ministério da área militar deveria ficar ao largo de muitos assuntos da República, mas como fazer isso se Lula nomeou para o cargo e Dilma manteve um ministro que palpita até sobre assuntos do Supremo Tribunal Federal em rodinhas de repórteres?

O comandante é fogo. Agora ele está colocando o nosso Ministério da Defesa até na definição da política interna dos outros países em assuntos militares. Ontem, durante a visita da presidente Dilma Rousseff à Argentina, Jobim trouxe um tema fora da agenda num encontro fechado com ministros do Brasil e da Argentina: “o uso das Forças Armadas na segurança pública”. Ele acha que esse é um ponto que deve ser discutido entre os dois países.

Jobim falou com orgulho das recentes operações militares em favelas brasileiras, no Rio, e afirmou que a Argentina deveria fazer o mesmo. O ministro argentino da Defesa foi rápido na resposta ao brasileiro: "Não temos possibilidades de usar as FFAAs, porque teríamos que mudar a lei".

Talvez o ministro brasileiro da Defesa não saiba disso, mas é bem óbvio que colocar as Forças Armadas atuando na segurança pública é um assunto bastante difícil na Argentina.

Lá a ditadura não é tida como branda e também é muito difícil encontrar um argentino disposto a esquecer o passado. Foram muitos os crimes cometidos pelos militares argentinos, a começar pelo golpe contra a democracia, o que aconteceu aqui também, não é mesmo?


O terror de uma nação aprisionada
A comissão criada para investigar os crimes políticos da ditadura militar, que governou Argentina de 1976 a 1983 ,foi presidida pelo escrito Ernesto Sábato, entre outros argentinos respeitáveis,. O relatório final trouxe resultados fora de qualquer suspeita no famoso livro “Nunca Más”, da Comissão Nacional para os Desaparecidos Políticos, CONADEP na sigla argentina, criada no governo de Raúl Alfonsín, em dezembro de 1983.

Foram mortas 30 mil pessoas na Argentina. Os militares mantinham 340 campos de concentração. Quanto aos desaparecimentos, a Comissão contabilizou na época cerca de nove mil. Porém, deixando muito claro que o número poderia ser bem maior, porque mesmo com a queda da ditadura, as famílias ainda tinham medo de denunciar os sequestros pelo temor de represálias. Hoje se sabe que o número de desaparecidos é bem maior, até porque todo o tempo aparecem histórias novas. Há quem acredite que pode chegar à 30 mil.

A repressão política não poupou setor algum da sociedade argentina e foi de uma ferocidade impressionante, com torturas, estupros, fuzilamentos sumários, pessoas atiradas de aviões em alto mar, roubos feitos por militares dos bens de prisioneiros e mortos e houve até o sequestro de crianças recém-nascidas, que eram tiradas à força das mães e cedidas para serem criadas por famílias de militares ligados à repressão.

Pesado, não? E esse terror foi praticado quando a Argentina tinha 28 milhões de habitantes, o que permite avaliar a proporção da influência que isso teve sobre todos os argentinos.

Outra questão é que por lá essa história não acabou em acordos em que de um lado a esquerda retira dinheiro do Estado por meio de anistias conduzidas de forma espúria e do outro militares ligados à repressão são compensados com o perdão por seus crimes.

Por sinal, o ex-ditador Jorge Videla foi condenado à prisão perpétua há pouco mais de um mês na Argentina, o que permite avaliar o senso de oportunidade do nosso ministro com sua sugestão de colocar nas ruas o exército argentino no combate ao crime comum. Mas possivelmente estamos com um trabalho ainda no início, com o assunto colocado para a discussão até que se caracterize uma proposta, para o que deve ser provavelmente um plano continental.

Nosso ministério da Defesa tem uma tarefa que vai ser interessante acompanhar. Vamos esperar para ver a reação dos chilenos quando o ministro Jobim desembarcar no Chile dizendo que eles também têm que botar as tropas na rua.

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POR José Pires

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