quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Para o Ipea o SUS até que está bem

Hoje o Ipea lançou uma pesquisa de avaliação do SUS, cuja edição é um primor: deram um jeito dar a entender que, segundo a pesquisa, a população aprova o serviço. Alguns sites caíram na conversa do Ipea, mas o que acontece é que deram o destaque à opinião favorável do paciente quando é finalmente atendido. Mas o problema do SUS não é exatamente a dificuldade de chegar até o médico? É isso mesmo. Mas o Ipea quer que a gente se concentre na satisfação do usuário depois de ser atendido.

Tem uma frase no site do órgão que mostra bem aonde querem eles chegar: “Os resultados mostram que os serviços do SUS são mais bem avaliados por aqueles que costumam utilizá-los, quando comparados com aqueles que não os utilizam”. O título também vai ao ponto que interessa ao governo: “SUS é mais bem avaliado por quem utiliza o serviço”. Pela imagem do site do IPEA, que publico acima, dá para sentir o nível.

Isso significa que quem chega à frente de um médico para ser atendido avalia o serviço como bom, é isso? Bem, mas não é nem preciso fazer pesquisa para saber a dificuldade que é ser atendido.

Este problema também foi detectado pela pesquisa, mas o Ipea fez uma edição que puxa para esta pauta doida que afirma que quem é atendido gosta do serviço. Segundo a pesquisa, o maior problema é a falta de médicos, o que dizem 57,9% dos entrevistados. A demora para o atendimento nos postos, centros de saúde e hospitais ficou em 35,9%. E para 34,9%, a demora para conseguir consulta com especialistas é o maior defeito do SUS.

Mas até esse formato de pergunta e resposta não me parece ter muito a ver com o que se espera do Ipea. Eu penso que o órgão deveria trazer informações aprofundadas sobre o sistema SUS, fazer comparativos, e não vir com um esquema de perguntas e respostas. Está mais para pesquisa do Instituto Vox Populi. Mas a eleição ainda não acabou?

Acho os números, todos eles, muito fora da realidade. Não estão de acordo com a insatisfação que sentimos no cotidiano. Dá a impressão de que os pacientes do SUS estão com medo de expor suas opiniões. E quem não teria, na condição que essas pessoas vivem? Basta conversar com qualquer um que dependa de atendimento público de saúde para perceber que os problemas com o SUS são bem maiores que estes detectados pelo Ipea.

Já soube até uma pessoa que atendeu a um telefonema de um atendente de posto de saúde que avisava sobre a liberação de uma consulta e teve de dizer que o paciente havia morrido um mês antes. Não li isso em jornal, nem ouvi em conversa alheia. Soube por uma pessoa próxima da família.

Claro que este é um caso extremo, mas quem já não ouviu reclamações sobre atendimento médico de pessoas que dependem do SUS? Não são poucas as que revelam demora até de meses em consultas, mesmo quando o caso é de doença crônica ou com alto risco de morte.

Então de onde vem essa descoberta do Ipea de que o pessoal anda gostando do serviço? Talvez seja porque o brasileiro pobre leva uma vida tão difícil que é capaz de dar graças à Deus caso consiga ser atendido por um médico para tratar de alguma doença, mesmo que seja depois de passar dias e até meses numa fila. E alguém acredita que uma pessoa na condição de sofrimento dessa gente tenha capacidade de avaliar a qualidade do atendimento?

Ao contrário do mineiro, segundo diz o ditado, o SUS não é solidário nem no câncer. Quando a presidente Dilma Rousseff ainda estava em campanha tentou-se aplicar à sua imagem o mito de que ela seria uma pessoa de muita força de vontade, pronta a enfrentar o câncer recém-descoberto. Com o ex-vice-presidente José Alencar tentaram fazer a mesma coisa.

Bem, tanto Dilma quanto Alencar receberam atendimento de especialistas famosos e até bem caros e passaram pelos melhores hospitais aqui e no estrangeiro, para onde puderam ir de avião ou helicóptero. Não é o caso de quem depende do SUS, independente da força de vontade do paciente. No caso de Dilma, na época até foi revelado pelo colunista da revista Veja, Diogo Mainardi, que foi importante na recuperação de sua saúde um remédio muito caro, o Mab Thera. Um frasco custa cerca de oito mil reais e está fora do alcance de quem usa os serviços do SUS.

Quem tem câncer e está no SUS, portanto, tem duas doenças. E mesmo quem tem doenças menos graves sofre bastante em filas intermináveis , postos de saúde entupidos de gente e até hospitais e pronto-socorros que negam atendimento por absoluta falta de condições de acolher doentes ou feridos.

Mas aí vem o Ipea e revela que “o SUS é mais bem avaliado por quem utiliza o serviço”. Bem, a pesquisa elimina quem morreu por falta do serviço.


Tudo contra FHC e tudo a favor de Lula
Na eleição para presidente da República o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) prestou um ótimo serviço para o então presidente Lula e, por extensão, para sua candidata Dilma Rousseff. Nos meses anteriores ao pleito, o Ipea foi divulgando um monte de números positivos sobre o país que coincidentemente acabavam batendo com a pauta da campanha do PT. Foi um serviço completo e tão bem feito que Márcio Pochmann manteve-se forte no posto de presidente da instituição. Saltou de Lula para Dilma sem nenhum arranhão.

Na eleição, assim como fez durante todo o segundo mandato de Lula, Pochmann atuou de forma bem diferente de quando estava fora do poder e os tucanos é que governavam o país. Naquela época ele desencavava números negativos.


Quando Fernando Henrique Cardoso era o presidente, Pochmann foi um mestre em descobrir mazelas do governo. E nisso estava certo. Nessa época ele escrevia artigos e dava entrevistas como professor da Unicamp e, de qualquer forma, na crítica às políticas oficiais é que está a maior contribuição de um pesquisador, de um jornalista ou de qualquer outro profissional que pretenda debater com seriedade os problemas brasileiros.


Porém, ao que parece, o ponto de vista rigoroso usado por Pochmann não era bem para resguardar sua independência intelectual. Parece que nesse período ele já visava a subida ao poder de seus companheiros que, quando lá chegaram, o levaram com eles.


Desde que assumiu a presidência do Ipea, Pochmann passou a adestrar os números, de forma que qualquer pesquisa que sai do Ipea é sempre para mostrar o Brasil no melhor dos mundos.

Isso pode muito eficiente em campanha eleitoral, mas desse modo o Ipea acaba tendo anulado seu papel crítico. Fica sendo mais um órgão de propaganda e deixa de apontar os reais problemas do país.

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POR José Pires

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