sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Senado brasileiro, uma Casa nada engraçada

José Sarney na presidência do Senado de novo parece uma piada imoral, mas não dá pra rir. O Senado é o contrário da casa criada por Vinícius de Morais. É tétrica. O governo petista, de início com Lula e agora em sua continuidade com Dilma Rousseff, mostra que está bem cristalizado o rumo moral (ou imoral, é bem melhor) que tomou depois de anos na oposição construindo um caminho para o poder com um discurso completamente oposto ao que fazem há mais de oito anos.

E não há porque se concentrar na crítica a Sarney. Se ele não existisse, outro ocuparia seu lugar assombrando o Brasil, talvez uma criação vinda até da acomodação natural criada pela forma dos petistas conduzirem os negócios de Estado, que basicamente se concentra em poder e dinheiro. Grana e poder atraem e até criam esse tipo de gente.

Além do mais, Sarney é o que seus colegas acreditam que o Senado tem de melhor, tanto que apenas oito senadores votaram contra sua candidatura. Se alguém ainda tem dúvida da inutilidade hoje do Senado para a sociedade brasileira, então está aí mais uma boa razão que os próprios senadores trazem para ser analisada.

Mas se as condições políticas permitissem, o presidente da Casa poderia ser até um petista histórico e para isso a própria Marta Suplicy mostrou que está bem preparada, aboletando-se com avidez na chapa sarneysista. Haveria então um outro presidente, porém o jogo (ou jogada, tanto faz) seria ainda o mesmo.

Marta é um fenômeno político que explica muito bem a tragédia ética do PT e da dificuldade do Brasil adquirir qualidade por meio da política. Ela parecia que ia ser grande coisa com sua personalidade audaz do início da carreira, mas conformou-se ao mais do mesmo da política. Vai longe o tempo em que dizia que Paulo Maluf era nefasto. Relaxou para gozar, parece isso. Seu prazer com o poder chega a ser lúbrico e pode ser percebido no olhar lascivo dela, sentadinha ao lado do Sarney.

Mas repito que o negócio não é o Sarney. Ele é só uma peça, ainda que muito importante no funcionamento da máquina de apropriação e uso dos recursos públicos.

Sarney é imoral. Claro que é, mas o chefe de tudo isso é o presidente de honra do PT. Vem de Lula e do forte grupo em torno dele o suporte para reinstalar na presidência do Senado um presidente envolvido em corrupção de moldes impressionantes até para uma Casa como aquela.

Na relação entre o PT e Sarney, no entanto, parece existir uma dependência extrema com o senador da parte dos dois governos, de Lula e Dilma. Sei que a dependência num caso assim é sempre mútua, mas percebe-se que ocorreu uma quebra de equilíbrio nessa relação, pendendo mais para o poder de Sarney.

E aí está um perigo, muito parecido como o que o governo de Fernando Henrique Cardoso viveu com outro senador poderoso e também nefasto, para usar uma palavra de que o PT gostava no passado. Com o falecido Antonio Carlos Magalhães os tucanos sentiram o drama que é um desequilíbrio desses entre o governo e um áulico.

Para um governo no início, como o de Dilma, seria até melhor evitar a repetição de Sarney na presidência. Para saber disso não precisa ser nenhum Maquiavel. Qualquer marqueteiro ou conselheiro político aconselharia isso, mas pelo jeito também esta marionete inverteu o controle sobre os cordéis que deveriam comandá-la. A presidência do Senado teve que ser de Sarney mais por imposição dele do que pela vontade e o interesse do governo petista.

Não é raro na política o boneco fazer refém seu titereiro, o que, como já disse, foi um erro que o governo FHC cometeu com o ex-senador Antonio Carlos Magalhães. O PT que se cuide. Os tucanos demoraram em perceber o problema com o falecido senador baiano. Em parte isso custou ao PSDB o poder — que, por sinal, foi para o PT — e até hoje os tucanos lambem as feridas feitas na imagem do partido.

Em relação à influência excessiva de Sarney na costura de apoios vitais, os petistas só podem contar com o tempo e rezar (ainda que a presidente não tenha aprendido a fazer isso durante a campanha) para que sua saúde não permita que ele percorra incólume os quatro anos de Dilma. Senão ele pode tomar conta. Até porque Dilma tem a seu lado, na pessoa de seu vice Michel Temer, alguém mais afeito à parceria com Sarney do que com ela.

Mas o tempo, que vem dando outra conformidade aos petistas em tão curto período, logo dará resposta também para esta questão. Para obter um resultado favorável o PT necessita sorte, o que não tem faltado para eles nos últimos anos e compensa bem o que lhes falta de juízo.


Quando é que alguém vai ouvir Paulo Francis?
Paulo Francis costumava dizer que alguém tinha que cravar uma estaca no coração do Sarney. É até engraçado ver as pessoas explicando hoje que este delicioso polemista (epa!) estava na verdade fazendo uma metáfora, mas tenho a impressão de que Francis estava sendo literal quando escrevia isso. De qualquer forma, o tempo mostra que a estaca era o único remédio.

Sarney esteve ao lado de todos os governos que o Brasil teve nos últimos tempos, da ditadura militar até agora. Sempre foi instrumento essencial na necessária legitimação do poder junto à classe política.

A ditadura militar serviu para ele criar uma base forte e também iniciar sua fortuna. Sarney é um milionário. Nossos historiadores cotumam fixar-se em demasia no aspecto político da ditadura brasileira, mas essa facilitação que os militares deram para a construção de fortunas pelo país afora foi fundamental para o apoio que deu a duração de duas décadas para o golpe de 64.

A ditadura perseguia, prendia e até matava o que havia de forte nos estados brasileiros. Fala-se mais na perseguição à intelectuais e políticos, mas a ditadura também destruiu muita coisa de qualidade que vinha sendo feita na área empresarial. Houve muita pressão sobre empresários combativos e mais criativos em regiões que, depois dessa política de terra arrasada, viu crescer mediocridades como a de Sarney no Maranhão. O senador Antonio Carlos Magalhães, de quem falo acima, também ganhou poder e conquistou sua fortuna dessa forma.

Com a queda da ditadura, Sarney foi servir aos governos civis e até virou presidente da República. Mas aí foi um acaso da sorte dele e do azar do Brasil. Fala-se bastante do governo Collor, mas sem o governo anterior de Sarney é provável que o breve reinado dele e de PC Farias não tivesse existido.

Collor nem teve tempo para a corrupção. Este sistema corrupto instalado no país tem origem na verdade no governo de Sarney, quando ele estabeleceu o esquema corrupto de trocas entre os políticos, a começar para estender seu mandato presidencial de quatro para cinco anos.

Sarney dura tanto porque faz a ponte entre o Poder e os interesses econômicos que na verdade dominam os governos, da ditadura até aqui. Dão muitas razões para o golpe de 64 — bagunça política, sindicalismo, ameaça comunista, etc. —, mas sempre é bom lembrar que acima de tudo havia o interesse de grupos econômicos em implantar ou manter o sistema econômico que mais lhes interessava.

Hoje essa regra não mudou. O presidente faz de conta que governa, tira a parte dele (e Lula, assim como Sarney, tirou muito), mas a verdade é que o controle de fato do poder está mais acima.


Sarney serve pra isso. E sua história fica até interessante porque fez parceria com os torturadores e agora está ao lado de alguém que foi torturada. Não deixa de ser um desfecho curioso para uma biografia. Se é que vivemos na atualidade um desfecho. Nunca devemos esquecer que ninguém fez o que o Paulo Francis aconselhou e Sarney segue sem nenhuma estaca cravada no coração. Vai que o homem seja imortal.
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POR José Pires

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