quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Bolsonaro pagando pela língua nas pesquisas

Um ponto interessante para explicar os apuros de Jair Bolsonaro com sua popularidade é um trecho da pesquisa Datafolha com perguntas específicas sobre o que estão achando das falas do presidente. Ninguém está gostando. A pesquisa cita diretamente quatro declarações que sintetizam muito bem o pensamento deste presidente no exercício do poder. Servem como uma carta-compromisso, talvez a doutrina política dessa figura impagável.

É o famoso conselho para cuidar do ambiente fazendo cocô dia sim dia não, o desabafo em que ele chama governadores nordestinos de “paraíbas”, outra dele dizendo que separa o melhor filé-mignon para o filhão e uma intervenção, digamos, sociológica, em que ele diz que pessoas com mais cultura têm menos filhos. Ele mesmo completa a piada, esclarecendo que com cinco filhos, entre os cultos ele é “uma exceção à regra”.

É quase total a discordância dos pesquisados com o, digamos, pensamento de Bolsonaro. A explanação sobre o meio ambiente, em que ele se faz de engraçado, recebeu a desaprovação de 88% dos entrevistados. A restrita parcela de aprovação provavelmente é composta dos que acham Bolsonaro um bom comunicador, o que é uma avaliação errada. Sua capacidade de se comunicar já foi sintetizada na conversação das redes sociais, definindo-o como o "tiozão do churrasco". Todos o aturam por obrigação familiar, o que só Bolsonaro, ou melhor, o tiozão não se dá conta. O problema para o tiozão é que com o tempo ele receberá cada vez menos convites para aparecer nos encontros dos parentes.

Na política esse desagrado que isola os tiozões também faz as pessoas virarem a cara para o governante. É raro que seja tão cedo como vem acontecendo com Bolsonaro, mas o homem é um fenômeno para causar problemas para si próprio. Desde que assumiu o cargo, os acenos do presidente são apenas para a faixa de eleitores já está com ele, composta em parte de gente praticamente doida que inferniza os outros nas redes sociais.

Da forma que atua, Bolsonaro foi perdendo até eleitores que deram seu voto em razão de circunstâncias terríveis que todos viram na última eleição. Hoje em dia está apenas com os fanáticos, que para mim estão na categoria dos que o acham tão bom quanto o Enéas. Das 16 áreas pesquisadas, ele só ganha de FHC, Lula e Dilma Rousseff em duas: combate à corrupção e segurança pública. Mas nesta área a popularidade de que se está falando é de Sérgio Moro. E tudo indica que também nisso, logo mais Bolsonaro vai dar um jeito de arrumar uma encrenca.

A pesquisa conclui que Bolsonaro é o presidente mais mal avaliado desde Fernando Collor. Tem a reprovação de 38% dos entrevistados. Vem se superando: dois meses atrás eram 33%. Claro que o presidente e sua equipe partem para o ataque. No Palácio do Planalto ninguém esfria a cabeça e parte para avaliar a realidade. Parece que o foco é exclusivamente no virtual. “Quem é que confia na Folha”, Bolsonaro já perguntou, para atiçar os cerca de 14% de bolsonaristas que deliram quando o ídolo fala em cocô. Mas se não gosta do Datafolha, o presidente e sua equipe podem se debruçar sobre números de outros institutos.

Todos chegaram a resultados que são de acender uma luz vermelha, mesmo que bolsonaristas não gostem da cor. No mesmo período pesquisado pelo Datafolha outros institutos chegaram a conclusões parecidas sobre a deterioração da sua imagem. A popularidade de Bolsonaro só se mantém para os chamados “convertidos”, um pessoal que por sinal cria uma ilusão que deve dificultar o trabalho de quem no entorno do presidente tiver a compreensão de que a situação é grave.

Não deve ser fácil falar para Bolsonaro com objetividade, usando a única linguagem que ele entende: “presidente, as merdas que o senhor anda falando só tem dado resultado negativo, porra!”. Para usar uma expressão muito besta que Bolsonaro gosta muito, seria colocar a cabeça a prêmio. Mas se alguém não arriscar o pescoço, nesta condição quem pode perder a cabeça é o próprio Bolsonaro.
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POR José Pires

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