Não existe um modo de definir vergonha alheia quando o constrangimento vem do presidente do nosso país, mas como Jair Bolsonaro multiplica suas performances ridículas no exterior, creio que no Brasil vamos precisar de uma definição diferente para esta forma de sentir vergonha. Geralmente a vergonha alheia com a atitude de alguém ocorre com um indivíduo que faz besteiras que não são da nossa responsabilidade. É sempre um incômodo, mas pelo menos não envolve nossa imagem pessoal.
Não é o que acontece com um presidente da República, que mesmo que não tendo recebido nosso voto encarna para o exterior a imagem do nosso país. Estou falando isso por causa da participação vergonhosa de Bolsonaro no fechamento nesta quarta-feira da 54ª Cúpula do Mercosul, na Argentina, com um discurso com uma série de provocações bestas. Ele pretendia ser engraçado e acabou cometendo gafes, numa intimidade inapropriada com os demais chefes de governo.
O mais vergonhoso é que sua zoação foi no momento que deve ser o mais sério da reunião. Bolsonaro parece que colocou na cabeça que tem talento para stand-up, o que deve ser uma conclusão de equipe, a não ser que ele seja o primeiro presidente no mundo que não avalia seu comportamento público com profissionais. Parecem ter visto nele um craque em comunicação espontânea, com capacidade de improviso para encantar plateias. Não é o que mostra o resultado. O pior tiozão é aquele que resolve tornar público seu talento de animador de churrascos. Nosso embaraçoso presidente está nesta toada.
Corre pela internet um vídeo da sua participação no encontro do Mercosul. É visível o constrangimento das pessoas em volta. Bolsonaro fez gracinha com Evo Morales, da Bolívia, constrangeu o presidente do Chile, Sebastián Piñera, que chegando atrasado procurava ocupar discretamente seu lugar no plenário. Bolsonaro fez uma piada com o presidente chileno, falando da Copa América. "O seu problema é com o Peru; não com o Brasil", ele disse à Piñera, como se estivesse em um churrasco regado com cerveja. E que gafe. Chile e Peru amargam um conflito histórico desde a Guerra do Pacífico, quando a derrota fez o Peru perder parte de seu território para o Chile.
O espetáculo de Bolsonaro foi bem longo, até porque um efeito da vergonha alheia é a sensação de que o constrangimento se prolonga de forma insuportável. E hoje em dia essa vergonha ainda é registrada, podendo ser acessada a qualquer momento. Vídeos e matérias sobre a reunião levam nossa imagem para mundo, com este presidente sem noção atuando como animador de circo xexelento. A cara dos dirigentes dos outros países não deixa dúvida do estranhamento com as tolices do colega brasileiro.
Esta reunião do Mercosul serviu para demonstrar que embora estejam abertas ao Brasil possibilidades de ampliar suas relações não só na América do Sul como na Europa, com a perspectiva do acordo de livre comércio com a União Européia, a condução do governo Bolsonaro pode adiar os benefícios para um futuro distante. Um entrave com a Europa será na visão equivocada deste governo na questão do meio ambiente, ainda com obstáculos sérios que podem ser causados pelo fechamento ideológico e do perfil personalista do governo.
Bolsonaro incorre no erro de dar um peso indevido ao relacionamento pessoal em situações em que isto não é o fator definidor. Ele acredita seriamente, por exemplo, numa proximidade pessoal com Donald Trump — emoções mútuas, coisa de pele, talvez — que abrirá oportunidades de acertos no fio do bigode. Ainda nesta reunião do Mercosul, falando sobre a indicação de seu filho Eduardo Bolsonaro como embaixador, ele deixou clara sua crença no efeito mágico da camaradagem nas relações internacionais.
Ele disse que basta um telefone seu para que o presidente dos Estados Unidos dê “um sinal positivo” para a indicação. Ainda sobre o desejo de ter seu filho como embaixador em Washington, outra explicação sua revela uma visão ridiculamente estreita das relações entre dois países. "Imaginem se o filho do Macri [Mauricio Macri, presidente argentino] fosse embaixador no Brasil e ligasse para mim, querendo falar comigo. Quando vocês acham que ele seria atendido. Amanhã, semana que vem ou imediatamente?", foi o que disse para reforçar sua indicação.
É a consagração de uma atitude muito própria nas relações externas. Como se sabe, na família Bolsonaro o nepotismo é uma tradição. Espera-se que seu governo não vá tentar emplacar isso como um padrão para o Mercosul.
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POR José Pires
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Imagem- Bolsonaro com o chanceler Ernesto Araújo, na reunião do Mercosul, onde deu seu show
Foto de Alan Santos, PR
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