domingo, 28 de março de 2010

Caindo na real

Já comentei aqui sobre o absurdo dos colunistas políticos e das seções de política criticando o governador José Serra porque ele não se lançou candidato e ainda não colocou a campanha na rua. Teve até senador do PSDB exigindo isso. Foi o senador Jereissati, pois não, sempre dando uma mão ao adversário e já irritado pelo fato da candidatura de seu partido continuar forte. Pois não teve nenhum jornal para colocar um senão à fala do senador: a campanha não poderia ser colocada na rua, pois isso seria ilegal.

Deram um imenso espaço para o senador cearense, um político que sem o espaço nacional conferido pelo seu partido seria, cá pra nós, um senador do baixo clero. Está aí registrado: um senador da República reclamando que o virtual candidato de seu partido cumpre a lei. E pedindo uma ilegalidade. E isso não é falta de decoro? Uma imprensa que acolhe tal opinião sem nenhum senso crítico não está se comportando corretamente.

As críticas ao governador já duram meses. Um dia, caso este país tome jeito, essas páginas vão ser vistas com muita vergonha. Deviam criticar o presidente Lula e sua candidata, que estão usando a máquina pública de uma forma nunca vista para fazer campanha eleitoral muito antes do prazo legal e com a candidata ainda em um cargo público. Mas atacam o tucano por não fazer o mesmo.

Ninguém é ingênuo. Sabemos que o Brasil é uma lugar onde a inversão de valores é que se tornou norma. Mas é novidade a imprensa embarcar dessa forma neste desvirtuamento.

Nossa imprensa nunca foi boa em cobertura eleitoral. Sempre optou mais pela espetacularização das campanhas do que pela análise rigorosa e o acompanhamento equilibrado dos acontecimentos. Vale mais a fofoca sensacional do que o fato sólido que não traga espanto e supostamente mais leitores. Talvez seja por isso que gostam mais de certos políticos.

Com a internet essa predileção pelo espetáculo piorou. Qualquer coisinha sem nenhuma apuração já salta para as manchetes, pois a regra é dar rápido a notícia. A qualidade é uma questão de segundo plano.

A parcialidade é enorme. Vale mais o interesse do veículo do que o respeito ao leitor. Com isso, acabam sendo antidemocráticos e não só com seus leitores. Agora, por exemplo, já elegeram como foco do noticiário as candidaturas tucana e petista. Até preferiam Aécio Neves no lugar do governador paulista. O governador mineiro sempre esteve atrás de todos, mas por alguma razão todos queriam ele como candidato tucano. Mas não teve jeito do eleitor concordar.

Será que o problema é o Serra não gostar de conversa fiada? Bem, mas o fato é que mesmo com toda a torcida não foi possível desfazer a realidade de uma reputação política sólida. Esse Serra não ajuda mesmo. E ainda não pàra de crescer. Então não há o que fazer: terão de encontrar assunto com ele mesmo.

Mas não temos apenas os tucanos e petistas no embate. Existe outra candidatura definida e até de alto valor histórico, a de Marina Silva, do PV. E algum jornal dá atenção à ex-ministra do Lula? Nem pensar. Ouvem mais até o boquirroto e neopaulista Ciro Gomes, que não tem nem legenda garantida.

Nossa imprensa está pra lá de mexicana. Resolveram estabelecer um bipartidarismo no país, ay caramba! E até dão a impressào de torcer para o PRI do Lula. E depois, quando algum tribunal faz sua intervenção exigindo um pouco mais de igualdade entre os candidatos, logo berram alegando liberdade de expressão.

Mas agora a imprensa tem outro problema. Serra não começou a campanha e vem o Datafolha da Folha de S. Paulo, reconhecidamente o instituto de pesquisas de maior credibilidade, e detecta o tucano em crescimento e bem na frente da candidata de Lula.

Os jornais e seus colunistas já estão se esforçando para achar um defeito nesta situação, mas não deixa de ser um problema trazido pela candidatura Serra: como é que algo que nem começou já está tão à frente? E todas as análises feitas até agora por essa gente que queria Serra nos palanques acabaram sendo furadas pela realidade.

Estão batendo as cabeças. Alguns, como o colunista Clóvis Rossi, da Folha, estão próximos do desespero. "Mas o que houve para que Serra subisse? Não vi nada no noticiário, a menos que tenha perdido algo por viajar frequentemente para o exterior, o que às vezes faz com que leia apenas superficialmente os jornais brasileiros", ele escreveu hoje.

Chega a ser impressionante que não vejam coisas simples como a própria desistência de Aécio Neves. Mais cedo ou mais tarde, este efeito seria sentido nas pesquisas, não? E por esta via é evidente que a candidatura de Serra ainda tem muito a ganhar.

Tivemos também o escândalo do Bancoop, uma dos esquemas mais revoltantes já bolados pelos sindicalista petistas, já que ali foram surrupiados seus próprios colegas. E este é apenas um escândalo novo. No baú de falcatruas petistas ainda tem muita maracutaia que não foi resolvida.

Existem muito mais motivos para a candidatura petista se preocupar. E ainda mal começou a movimentação que estes fatos podem trazer para a eleição presidencial e até nas outras disputas que a imprensa até agora mantém em segundo plano no noticiário.

É preciso se profundar mais. E para alguns profissionais, como o surpreso Rossi, da Folha, não bastaria ler detalhadamente o próprio jornal em que trabalha. Pelo que o seu jornal publicou até agora, ele pode achar que o melhor candidato tucano ainda é o Aécio Neves.

Teve colunista que até se apoiou na acuidade política de Lula, naquela tão falada "intuição" sábia e profética. Jornais e sites também embarcavam na fanfarronice lulista de que a eleição já estaria praticamente ganha. E poucos pensaram na questão mais simples: temos ainda sete meses pela frente. E como é que algum jornalista com a cabeça no lugar pode achar que um governo como o de Lula, de onde sempre está jorrando a lama da corrupção, pode garantir solidez à candidatura oficial?

Mas está aí um exercício bem útil para a nossa imprensa. Algo que os jornalistas deveriam fazer com maior frequência. Trabalhar a partir da realidade e não movidos unicamente pela própria opinião ou por melindres ou simpatias pessoais com este ou aquele candidato. Ah, sim, e sem torcer para candidatura alguma.
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POR José Pires

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