quarta-feira, 31 de março de 2010

Relações pra lá de estranhas

Já vêm de longe as evidências de que a política externa do governo Lula é uma grande burrada. Havia até gente, que apesar de ter restrições ao governo, vinha com a conversa de que o rumo empreendido por Lula nas relações externas tinha lá seu acerto. Bem, acredito que os últimos passos de Lula devem ter desencantado até essas pessoas.

A coisa tem seu lado cômico. Manuel Zelaya de chapelão e com as botas sobre as cadeiras de pano de nossa embaixada em Honduras ilustra bem este lado. Apesar de já estar cercado de malucos como Chavez, Morales, Ortega e Rafael Correa. Lula ainda foi atrás do maluco hondurenho. Era de mau gosto, mas no final era apenas uma piada. Não é o caso de Ahmadinejad, um maluco que é mais pra chorar que pra rir. Aqui o Brasil entra numa área de risco.

Lula enganou enquanto pode, até que resolveu exercitar toda sua verve. Me parece que o plano traçado não levava em conta os arroubos do Apedeuta Maior. O cara é fogo, como dizia seu antigo capitão, o José Dirceu.

Fez a bobajada de tratar os conflitos pós-eleitorais como se fossem um jogo de futebol. E a verdade é que as divergências no regime dos aiatolás permanecem até hoje e terão ainda outras conseqüências.

Depois foi fazer fotos com Fidel Castro à beira da piscina enquanto um dissidente cubano morria em greve de fome. No meio disso, não podemos esquecer a passagem por Israel, onde deu uma piorada em sua imagem externa.

Muita gente se enganou com Lula, especialmente os europeus, que viram nele o líder terceiro-mundista que ele nunca foi. Obama, por exemplo, recuou rápido da intimidade ensaiada nos primeiros encontros com o petista. É provável que hoje se falem apenas formalmente. Se é que se falam. Nem adianta Lula acordar enfezado pois o telefone do lado de lá não deve atender.

O jornal El País foi um dos desenganados. O diário espanhol, que até havia dado um prêmio para Lula, saltou fora recentemente depois dos abraços e risos do presidente brasileiro com Fidel Castro e seu irmão, Raul Castro.

Não é de agora que a ditadura cubana sofre um esboroamento interno. Este descontentamento já não tem mais nada a ver com os exilados de Miami ou com as pressões do governo dos Estados Unidos. A abertura cubana já devia ter sido feita há muito tempo, mas Fidel Castro nunca quis este caminho. Manteve fechado o regime até que o desgaste da saúde força-lo a abandonar a farda verde-oliva. E fechamento se mantém, pois a linha-dura do regime é que está atualmente no poder. E o irmão de Castro não tem nada de liberal. Ao contrário, dizem que Raul Castro é o mais linha-dura da família.

Que Lula e comitiva saia do Brasil num momento deste para ir abraçar essa gente e ainda distribuam para a imprensa as fotos do congraçamento com os ditadores, só dá para entender como pagamento de dívida política. E dívida bem pesada. Um esforço inoportuno desses, assim como o excessivo comprometimento com um tipo como Ahmadinejad, trazem à memória denúuncias antigas de dinheiro vindo de Cuba ou do Irã, mas deixa pra lá.

Até os cantores cubanos Silvio Rodriguez e Pablo Milanés andam dando entrevistas criticando a falta de mudanças políticas na ilha. A manifestação destes dois ícones políticos e culturais da Revolução Cubana mostra bem como anda o clima político em Cuba. O depoimento dos dois também revela de forma especial a fria em que se meteu Lula ao expressar irrestrito apoio a uma ditadura moribunda.

Silvio Rodriguez disse que é “aos gritos” que Cuba está pedindo reformas. "Tenho escutado que estão sendo feitas revisões, sempre extraoficialmente, lamentavelmente nunca em nossa imprensa. Deus queira que isso seja verdade, ele disse. E este “Deus” encaixado no desabafo dimensiona de forma curiosa o fracasso da revolução comunista de Castro.

Tanto Milanés quanto Rodriguez cresceram com a revolução e sempre deram um apoio enfático ao regime. Que os dois já não suportem o que ocorre em seu país, mostra que o descontentamento em Cuba já ficou impossível de ser contido. E que dificilmente os cubanos vão aceitar o próprio regime administre a abertura política. Já dá para ouvir o dique se rompendo.

Milanes já vinha criticando a falta da abertura do regime cubano nos últimos meses. No ano passado andei lendo algumas reportagens em jornais de fala espanhola em que ele revelava ainda de forma cuidadosa que as coisas não iam bem na sua opinião. Nos últimos dias o tom se elevou bsastante. Recentemente, ele disse que "o sol enorme que nasceu em 1959 encheu-se de manchas ao envelhecer".

No Brasil, Milanés é mais conhecido como o compositor de "Yolanda", uma bela canção de amor, das tantas que ele fez. Mas ele também é o compositor de "Canción por la unidade latinoamericana", que tem uma versão brasileira feita por Chico Buarque e gravada junto com Milton Nascimento em 1978.

Na versão brasileira Chico Buarque deu uma amaciada no conteúdo político da música. Na canção original de Milanés tem uma parte na qual ele canta que ‘Bolívar lançou uma estrella que junto a Marti brilló, Fidel la dignificó para andar por esta tierras”.

Pois o fraseado do artista mudou bastante. Agora ele afirma que não está de acordo com a atitude do governo cubano em relação aos dissidentes políticos e também critica Raul Castro por não colocar em prática as reformas prometidas. Milanes disse também que é a favor dos direitos humanos, da livre expressão, do direito à greve de fome ou da liberdade para o cubano sair do país.

Só falta o Chico Buarque saltar do barco furado em que se meteu. Mas aí vai demorar bem mais. As reações do compositor brasileiro são conhecidamente demoradas. Sobre o próprio governo Lula, para o qual fez até propaganda eleitoral dirigida elo marqueteiro Duda Mendonça, até agora não se sabe de nenhuma manifestação sua condenando qualquer uma maracuraia da vasta enxurrada de escândalos petistas.

As falas dos dois artistas cubanos são bem claras. Dão a impressão de que perceberam as transformações passam agora dos gabinetes para as ruas cubanas.

Lula e seu séquito é que não entenderam nada do que se passa na ilha. O cara não é tido como muito perceptivo e dono de uma intuição admirável? Pois neste caso boiou no assunto.

Quando devia ter ouvido a voz das ruas estava aos risos e abraços à beira da piscina com os dois irmãos ditadores. Historicamente é tarde para um recuo do governo petista. Fidel morre abraçado com Lula, que deve estar torcendo bastante para que nada de mais grave ocorra em Cuba até que a eleição brasileira esteja resolvida. Uma crise que aconteça por lá neste período bate com certeza em Lula e na sua candidata. Vão ter que explicar suas estreitas relações com regime castrista.

Falando em problema até as eleições, Lula deve também estar rezando — para Deus ou Alá, não importa — para que também o Irã se mantenha imune a acontecimentos de maior gravidade, o que é bastante improvável para um regime político tão encrenqueiro. Lá no Irã também não pode acontecer nada de ruim até outubro, senão Lula e sua candidata terão muito para explicar sobre mais este conceito explosivo de relações externas.

E desde o anúncio da viagem de Lula para o Irã só piora a situação para os lados do companheiro Ahmadinejad. Notícias de hoje adiantam que Estados Unidos, Reino Unido, Rússia, China e Alemanha já teriam decido sobre as sanções ao Irã que serão apresentadas ao Conselho de Segurança da ONU. Desse modo, Lula deve chegar em maio em um país ainda mais isolado que hoje. Com certeza não vai faltar assunto para debater com Ahmadinejad.
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POR José Pires

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